Automação pode aumentar desigualdade laboral. OCDE pede medidas

Digitalização deve afectar 50% dos postos de trabalho. O saldo final até pode ser positivo, mas os governos não estão a ajudar quem mais precisa.

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Fabian Bimmer

O impacto do progresso tecnológico sobre o emprego não será um mar de rosas nem apocalíptico. Há 14% dos postos de trabalho que estão em risco por causa da automação e 32% serão significativamente mudados devido à digitalização, mas no cômputo final o número de postos de trabalho continuará a crescer, se tivermos em conta aqueles que serão criados pela digitalização. O problema é garantir a qualidade do emprego – e evitar o aumento das disparidades.

Estas são as previsões do Employment Outlook 2019, divulgado nesta quinta-feira pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), que reúne 36 países, Portugal incluído. Não há porém dados específicos sobre quantos empregos estarão em causa em Portugal, porque os números são baseados num inquérito de 2015 em que Portugal e outros três países da OCDE não participaram.

“Uma grande variedade de indicadores dão suporte às preocupações com a substituição de empregos devido à automação”, reconhece a OCDE no relatório agora divulgado, apontando “em particular para a Inteligência Artificial”. Porém, “o progresso tecnológico pode gerar mais empregos do que destruí-los numa dada indústria”, lê-se no documento, e talvez seja essa a razão por que “o emprego nos países da OCDE tem vindo a crescer apesar dos efeitos” da automação e da digitalização.

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Há uma crescente preocupação com a qualidade do emprego no futuro, diz a OCDE Reuters

Em segundo lugar, “o aumento da produtividade e a redução de preços” provocado por essas mesmas tecnologias “têm um impacto positivo sobre o emprego em indústrias adjacentes”, porque “impulsionam o rendimento dos consumidores e aumentam a procura (e o emprego) noutras indústrias”. Exemplo: novos modelos de negócio no retalho geram economias de escala que permitem reduzir preços, com os consumidores a transferir essas poupanças para gastos noutros sectores.

Além disso, diz a OCDE, a automação permite “baixar custos nas indústrias a jusante”, ou seja, nos sectores que exploram tecnologia para baixar custos no transporte, embalamento, gestão de inventário. Isto leva a um custo unitário mais baixo, permitindo baixar preços e, por essa via, induzir um aumento na procura que pode ter um impacto positivo na criação de mais emprego.

Ainda assim, alerta a organização, não vale a pena ter ilusões e os governos devem agir de forma célere e apropriada, porque o cenário não será um mar de rosas. Ainda que haja diferenças significativas de país para país, todos os governos nacionais têm de ter em conta que automação e globalização afectarão cerca de 50% dos postos de trabalho e, por isso, aconselha-se a adopção de políticas que sirvam como “almofadas” para absorver choques.

“Há uma crescente preocupação com a qualidade do emprego. O poder de compra tem estagnado para muitos rendimentos e a estabilidade laboral tem vindo a cair. Além disso, muitas formas de emprego alternativas têm surgido e crescido em alguns países. Ainda que a diversidade de contratos permite uma desejada flexibilidade a empresas e trabalhadores, é preciso ter políticas que garantam empregos de elevada qualidade a esses novos trabalhadores”, alertam os autores do documento.

Um exército em part-time involuntário

O maior risco, diz a OCDE, é o aumento da disparidade e da desigualdade no mercado de trabalho. “A perda de emprego está concentrada em certos grupos de trabalhadores e em certas regiões, e alguns sofrerão mais com a falta de qualidade do emprego do que outros”, prevê o documento, apontando que se os governos não precaverem estes efeitos do ajustamento tecnológico então abrirão a porta a “divisões sociais mais profundas, com implicações adversas no crescimento, na produtividade, no bem-estar e na coesão social”.

Outro alerta: “estes desafios não estão num horizonte longínquo”. E atendendo ao cenário actual, talvez os governos não estejam a preparar o futuro de forma conveniente. Os contratos a prazo e empregos a meio tempo têm crescido em toda a OCDE – e Portugal, segundo dados que já não são novos, está no topo dos países onde mais cresceu o trabalho temporário involuntário, isto é, aquele que é aceite por falta de ofertas a tempo inteiro. Espanha, Itália e Grécia fazem companhia a Portugal no topo desta lista e, como nota a OCDE, isto pode ser explicado pelos impactos da crise financeira e das dívidas soberanas.

O auto-emprego está numa curva descendente. Os sectores da manufactura têm sido os mais afectados pelo progresso tecnológico, mas a população tem continuado a envelhecer – e os mais velhos estão mais expostos ao desemprego e em certa medida ao “subemprego”.

É neste quadro que emerge nos países mais desenvolvidos uma “polarização cada vez maior do mercado de trabalho”. Os dados mostram que Portugal não escapa a esta tendência, marcada pelo progressivo desaparecimento dos trabalhadores com qualificações médias. O mercado de trabalho é cada vez mais dos altamente qualificados e dos pouco qualificados.

Resultado? “A fatia do produto nacional que vai para os trabalhadores sob a forma de recompensa pelo trabalho está a cair, ao passo que a fatia que vai para os donos do capital está a crescer”, constata a OCDE. “Profissões médias já não garantem acesso à classe média e trabalhos altamente qualificados já não dão acesso automático às camadas mais altas da distribuição do rendimento. E isto pode causar grande frustração dos trabalhadores e explicar o crescente sentimento de preocupação e descontentamento, registado nas camadas mais baixas e na classe média de muitos dos países da OCDE.”

Isto fica demonstrado pelo fenómeno “o vencedor leva tudo”, define esta entidade, aludindo ao processo que leva as empresas mais produtivas da capturar a principal fatia do mercado. O que por sua vez conduz a concentrações de mercado em certos sectores – pense-se na chamada economia da Internet – e gera maiores preocupações com o poder de monopsónio, destaca o relatório.

Dito de outro modo: os governos nacionais, sobretudo nas economias mais desenvolvidas, não estão a fazer o que deviam para ajudar aqueles que estão mais necessitados – os menos qualificados, os trabalhadores mais velhos, aqueles que perderam o emprego e aqueles que entraram no mercado com os contratos a prazo, os trabalhos a meio tempo e contratos “atípicos” de trabalho. 

Igualmente importante, conclui a OCDE, é fazer alterações nos sistemas de protecção social, que actualmente “não estão preparados” para lidar com os efeitos da automação e digitalização sobre o emprego. Os trabalhadores mais “flexíveis” da nova economia digital sentem dificuldade em chegar aos benefícios sociais de que usufruem os trabalhadores “tradicionais” (baixa médica, licença de paternidade, protecção contra o despedimento sem justa causa), anotam os autores do relatório e, por isso, é preciso que a protecção ao emprego se torne “suficientemente ágil para responder às mudanças sentidas pelos trabalhadores”.

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