O que se tem feito para combater a endogamia académica?

Para combater o problema, por exemplo, a Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa recomenda que não se contratem professores que acabaram de fazer aí o doutoramento.

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Como combater as bolhas académicas? Marc Sendra Martorell

É consensual: a endogamia académica é ainda prevalente nas universidades portuguesas. Mas quais são as principais consequências? Ou o que têm feito as instituições para minimizar este problema?

O conceito de endogamia académica refere-se “a situações de imobilidade profissional” em que um docente do ensino superior desenvolve a sua actividade de investigação e docência na mesma instituição onde recebeu “a sua formação académica original”, sem que pelo meio tenha estado noutras instituições durante algum tempo. Esta definição consta no relatório da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) do ano lectivo de 2015-2016 sobre endogamia académica, que concluiu que cerca de 70% dos docentes das universidades públicas portuguesas se doutoraram na mesma instituição onde leccionam.

Hugo Horta (professor auxiliar da Faculdade de Educação da Universidade de Hong Kong) diz que a endogamia académica é difícil de medir e que se tende a ter uma leitura superior ao que existe na realidade, como acontece no relatório da DGEEC. “Devem ser considerados endógamos apenas os académicos que fizeram o doutoramento na universidade A e começaram a trabalhar imediatamente na universidade A como académicos, sem nunca terem outro emprego ou tipo de mobilidade laboral para outra instituição”, explica.

Sobre as consequências da endogamia académica, José Salcedo (agora ex-professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto) refere que proporciona uma menor diversidade de ideias. “Uma pessoa faz uma carreira sempre dentro da mesma instituição e não é exposta a outras formas de pensar”, indica. Mas, para si, há algo mais grave: “Favorece relações privilegiadas entre os orientadores mais séniores com pessoas mais jovens. Posteriormente, o mais jovem pode sentir-se obrigado a apoiar decisões do mais sénior.”

José Tribolet (professor catedrático do Instituto Superior Técnico, ou IST) também refere estas consequências, mas acrescenta que este fenómeno pode até ter aspectos positivos em fases iniciais do lançamento de um grupo na universidade. Já para Pedro Santa-Clara (professor na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa) a pior consequência é “o facto de as pessoas não terem mundo, não terem alternativas e terem crescido sempre no mesmo sistema”: “O sistema torna-se impermeável à inovação e a novas ideias.”  

Para Hugo Horta, há dois problemas cruciais: um individual e outro organizacional. A nível individual, refere a falta de mobilidade e, desta forma, a exposição a outras culturas institucionais, conhecimentos e formas de investigação. “Esta falta de mobilidade leva a que os académicos endógamos geralmente fiquem conformados com o conhecimento que é aceite como legítimo na universidade onde se doutoraram.”

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O investigador Hugo Horta DR

Já a nível organizacional, Hugo Horta indica que muitas vezes nos concursos não são os candidatos de fora que entram mesmo sendo melhores, substituindo-se assim a meritocracia. “A endogamia é principalmente problemática em universidades e departamentos que são reconhecidamente medíocres, porque a endogamia na sua generalidade tende a ser um obstáculo tremendo à mudança.”

Duas soluções

Na sua investigação, Hugo Horta propõe duas soluções para este fenómeno: processos de recrutamento académicos transparentes, claros, públicos e com regras que não sejam alteradas em qualquer altura do processo e não sejam muito pesadas em termos de burocracia; e mobilidade académica, sobretudo a internacional.

Contudo, o investigador não concorda em eliminar a endogamia académica por decreto como acontece na Alemanha e na Suíça. E descreve um exemplo: “Se uma pessoa tiver sido um excelente aluno de doutoramento com um potencial enorme e conseguir facilmente entrar na mesma universidade onde fez o doutoramento e bater a concorrência, não o poder fazer implica que a universidade portuguesa perde uma pessoa que possivelmente não terá qualquer possibilidade de atrair se ela sair para outra universidade.”

António Fontaínhas Fernandes (presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas) diz que há “um grande empenhamento” de todas as instituições na abertura de concursos públicos com ampla divulgação e de âmbito internacional tanto no domínio da investigação como no da docência.

A Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa assumiu uma posição “drástica” em 1991 em relação a este problema, indica Pedro Santa-Clara. Por decisão do Conselho Científico da faculdade há uma orientação que recomenda que não se contratem professores que tenham acabado de fazer o doutoramento na instituição. “A partir de 1991, praticamente todos os professores se doutoraram no estrangeiro e também se começou a recrutar no estrangeiro [professores].”

No estudo da DGEEC, verificou-se que a endogamia é mais forte nas áreas de direito, medicina, desporto e letras. Enquanto na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa 99% dos professores de carreira doutoraram-se lá, na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa isso acontece só com 8% dos docentes.

Quanto a outras instituições, a Universidade de Coimbra foi a que teve “indicadores mais elevados de imobilidade académica” com 80% dos seus docentes a fazerem aí o doutoramento. Logo a seguir estão a Universidade dos Açores e a Universidade de Lisboa (com 74%), a Universidade e Trás-os-Montes (73%), a Universidade do Porto (72%), a Universidade de Aveiro (64%), a Universidade Nova de Lisboa (61%), a Universidade da Beira Interior (57%), o ISCTE (49%) e a Universidade da Madeira (40%).

Pedro Santa-Clara nota que há algo que muitas universidades portuguesas não se estão a aperceber: o acordo de Bolonha está a criar um mercado único no ensino superior europeu. “As universidades europeias vão concorrer cada vez mais para atrair alunos no continente europeu e não só no próprio país. Uma escola que tem só pessoas que fizeram o doutoramento, o mestrado e a licenciatura aí dificilmente vai ter ideias inovadoras e concorrer eficazmente.”

Por sua vez, José Tribolet dá o exemplo do Departamento de Engenharia Informática do IST, do qual faz parte. “Temos contratado pessoas de fora, não só nacionais como estrangeiras”, frisa. “Temos um programa de despistagem para procura de candidatos, onde convidamos pessoas que estão no estrangeiro ou noutros sítios em Portugal para virem cá dar conferências e ter entrevistas com os professores e colegas antes de abrirmos concursos.”

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