Putin recebe Kim e mantém Moscovo noutro tabuleiro diplomático

Os dois líderes vão encontrar-se pessoalmente pela primeira vez na quinta-feira em Vladivostoque. Kim quer mostrar que não está isolado e Putin que é indispensável a qualquer negociação.

Foto
Kim Jong-un vai encontrar-se com Vladimir Putin em Vladivostoque Reuters/Reuters Photographer

O líder norte-coreano, Kim Jong-un, prepara-se para conhecer pessoalmente mais um chefe de Estado. Desta vez será o Presidente russo, Vladimir Putin, que vai recebê-lo nos próximos dias em Vladivostoque, no extremo oriental do país. O encontro é desejado por ambos por motivos diferentes, mas terá sobretudo um valor simbólico.

A notícia do encontro foi confirmada esta terça-feira pela KCNA, a agência noticiosa estatal norte-coreana, mas não foi referida qualquer data – as deslocações de Kim ao estrangeiro são sempre objecto de muito secretismo por razões de segurança. O Kremlin revelou que Putin e Kim vão estar juntos na quinta-feira.

A última vez que os líderes dos dois países se encontraram foi em 2011, quando o então Presidente russo, Dmitri Medvedev, se reuniu com Kim Jong-il, pai do actual dirigente máximo norte-coreano.

Foto
Dmitri Medvedev e Kim Jong-il, o pai do actual líder coreano, em 2011 Dmitry Astakhov/RIA Novosti/Kremlin/REUTERS

A cimeira desta semana tem como pano de fundo o processo diplomático iniciado por Kim Jong-un no início do ano passado, e que já lhe valeu encontros de alto nível com vários líderes mundiais, como Donald Trump, Xi Jinping e o Presidente sul-coreano, Moon Jae-in. Há dois meses, a cimeira com o Presidente dos EUA, em Hanói, foi interrompida repentinamente por causa de divergências entre os dois líderes.

Kim e Putin olham para o encontro desta semana de forma diferente, mas não divergente. O líder norte-coreano chega a Vladivostoque ainda na ressaca do falhanço de Hanói, onde pretendia obter algum alívio nas sanções internacionais que começam a deixar marcas na economia do país. A visita a Putin representa a oportunidade para Kim mostrar que não regressou ao isolamento dos seus primeiros anos no poder.

“Se eles conseguirem mostrar que grandes potências ainda os apoiam, isso irá dar-lhes mais poder de negociação nas conversações com os EUA e a China”, disse à BBC Alexei Muraviev, professor na Universidade Curtin de Perth (Austrália).

Amigos de ocasião

A Rússia surge como um interlocutor óbvio na estratégia de Kim para sinalizar que o jogo diplomático em que envolveu Pyongyang ainda está de pé. Apesar de o estatuto de aliado diplomático de que a Coreia do Norte gozava durante a época soviética hoje não existir, Moscovo manteve vários laços com o regime dos Kim. Além de partilharem uma curta fronteira terrestre, há interesses económicos a ligarem os dois países – há, por exemplo, quase dez mil imigrantes norte-coreanos na Rússia, que enviam importantes remessas em moeda forte para o país.

A Rússia tem também ambições antigas, como a de ligar a sua linha ferroviária do Transiberiano ao território norte-coreano e de se tornar no principal fornecedor de gás natural.

Mas o grande interesse de Putin em encontrar-se com Kim é diplomático. Há já algum tempo que Moscovo se sentia posta de lado do processo diplomático de pacificação da Península Coreana, que sempre encarou como um esforço multilateral, e não uma negociação entre Washington e Pyongyang. É neste sentido que os dirigentes russos referem frequentemente o regresso do formato das negociações a seis, à semelhança do que aconteceu na década passada, sem sucesso.

“Não devemos subestimar o desejo de Moscovo em parecer vital para este processo, e o que estará disposto a fazer por Kim para assegurar um papel para a Rússia na constante evolução dos assuntos na Península Coreana”, nota Stephen Blank, analista do 38 North, um think-tank especializado em assuntos coreanos.

Nos últimos anos, a Rússia acompanhou os Estados Unidos e a China na condenação dos testes nucleares da Coreia do Norte, incluindo através da viabilização de sanções económicas no Conselho de Segurança da ONU. Mas ao contrário de Washington, o Kremlin nunca acreditou na possibilidade de uma desnuclearização total, dando prioridade a um processo negocial mais gradual e acompanhado de gestos recíprocos.

Porém, não há muita coisa de palpável que Putin possa dar a Kim durante o encontro desta quinta-feira. “A situação económica do país é muito má e Pyongyang quer desesperadamente um alívio das sanções para que o comércio regular possa ser retomado”, disse à BBC o professor da Universidade de Kookmin, em Seul, Andrei Lankov.

Com as mudanças no regime de sanções dependentes do Conselho de Segurança, Moscovo poderá apenas oferecer alguns paliativos ao regime de Kim. A Rússia “não irá violar oficialmente as sanções”, afirma Lankov. “Na melhor das hipóteses, Moscovo poderá fechar os olhos a algumas violações pequenas das sanções”, acrescenta.

Sugerir correcção
Ler 23 comentários