Gravação da Assembleia Militar de 11 de Março de 1975 em livro e na RTP

Discutiu-se a utopia de um socialismo ao virar da esquina e foi evitado um ajuste de contas em nome dos usos e costumes da civilização.

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Soldado barricado no RALIS (1975) MANUEL MOURA/LUSA

Foi esta segunda-feira apresentado o livro A noite que mudou a Revolução de Abril, sobre a assembleia de militares na sequência da tentativa de golpe de Estado de 11 de Março de 1975, tendo por base a gravação na íntegra daquela reunião. Na noite desta quarta-feira, às 21 horas, na RTP1, será emitido o documentário assinado pelo jornalista Jacinto Godinho, contextualizando a situação e com a voz dos intervenientes.

“Um ataque a um quartel é substancialmente diferente, por muito reaccionário que seja, de um fuzilamento a frio como os senhores estão aqui a exigir. Eu tenho a impressão de que hoje mudei de posição, não sei, parece-me que estou a ser reaccionário ao contrário do que é costume”. Com esta frase, o capitão de engenharia Cabral e Silva, do gabinete do primeiro-ministro Vasco Gonçalves, travou os pedidos de fuzilamento contra os militares que na manhã de 11 de Março de 1975 bombardearam o RAL 1. Foram dois aviões T6 e 10 helicópteros que sobrevoaram e atacaram a unidade junto ao aeroporto de Lisboa, também cercada pelos páraquedistas do comandante Rafael Durão, a coberto de uma alegada “matança da Páscoa” contra individualidades civis e militares difundida pela extrema-direita. O ataque ao quartel provocou a morte do soldado Luís, incendiou os militares atacados e acelerou a extrema-esquerda militar.

Na bobine com oito horas e meia de gravação são recuperados os vários momentos. Da leitura de comunicado da unidade, cuja difusão pela televisão não fora autorizada, assume a responsabilidade o major Diniz de Almeida. O capitão da unidade lê a tomada de posição dos seus oficiais, sargentos e praças: “Nós vamos ao ponto – eu transmito esta opinião – de encostar à parede ou seja de fuzilar imediatamente os oficiais que participaram neste ataque.” No seu livro, Ascensão e Queda do MFA, Diniz de Almeida confirmara a leitura do comunicado, destacando “que sentiria a maior repugnância em consentir sequer que adversários meus, tornados prisioneiros, fossem alvo de qualquer tratamento desumano”.

No anfiteatro do Instituto de Defesa Nacional, noutro momento da assembleia para ali convocada para aliviar a pressão de vários sectores militares junto do Presidente da República, general Costa Gomes, a questão volta a ser colocada. A reconstrução do som da bobine que esteve durante anos guardada pelo vice-almirante Almada Contreiras não permite, contudo, identificar o autor de uma frase imperativa. “O RAL1 exige o fuzilamento dos responsáveis por esta intentona. E exigimos seriamente”, que ecoou na sala.

A questão é encerrada pelo Presidente da República. “Não está na tradição do Povo português, nem do Exército português, fazer fuzilamentos a frio. Portanto, eu julgo que esse problema está fora, com certeza, desta assembleia”, conclui o general Costa Gomes.

Na imprensa da época, o apelo à barbárie do pelotão de fuzilamento não foi notícia. Naquela assembleia foram tomadas um conjunto de decisões que marcaram a evolução política do país e o PREC [Processo Revolucionário em Curso, o Verão Quente de 1975]. O mais decisivo, que só deixou de ter efeitos com a revisão constitucional de 1982 de Mário Soares e Pinto Balsemão, com a extinção do Conselho da Revolução, foi a institucionalização do MFA.

Também naquela assembleia tomou forma a nacionalização da banca e dos seguros, arrastando boa parte da economia portuguesa, e seria aprovada pelo Governo a 13 de Março. Foi também aí que, solenemente, o Presidente da República, confirmou a data das eleições para a Assembleia Constituinte, compromisso que sectores da esquerda viam com maus olhos, pela “impreparação” do povo. Pela madrugada discutiu-se a utopia de um socialismo ao virar da esquina e foi evitado um ajuste de contas em nome dos usos e costumes da civilização.

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