A adega de José e Maria ardeu e a EDP foi condenada a pagar

Relação de Guimarães confirma decisão do Tribunal de Braga que condenou a EDP Distribuição a indemnizar um casal de idosos por incêndio causado por um curto-circuito numa tomada.

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Reuters/Rafael Marchante

Naquele serão de domingo, Maria, de 68 anos, estava em casa, e o marido, José, de 72, no café ali perto. Cerca das 21 horas deflagrou um incêndio na adega do casal, que se propagou à parte habitacional da casa onde moram, no Lugar da Bica, freguesia de Cabreiros, Braga.

José e os vizinhos tentaram combater o fogo com baldes de água, porque a falta de electricidade tornou impossível ligar a bomba de água do poço. Vieram quatro carros de bombeiro e 11 homens, veio também a GNR, que tomou conta da ocorrência naquele dia 23 de Novembro de 2014, em que “estava bom tempo e não houve qualquer anormalidade climatérica”.

Por volta da mesma altura, ali a 500 metros, um poste de iluminação pública instalado junto ao Talho de Cabreiros “começou a arder, lançando faíscas e labaredas”, e deslocaram-se ao local “dois técnicos da EDP que intervieram nesse poste”. Depois, os dois técnicos, avisados do incêndio, foram à casa de José e Maria e, já em fase de rescaldo, descartaram a necessidade de qualquer intervenção porque não havia “anomalia no contador e no DCP (Dispositivo Controlador de Potência)”.

Extinto o fogo, o que se verificou foi que a adega de duas divisões ficou danificada (o seu recheio “destruído e/ou inutilizado”) e que o primeiro andar da casa também sofreu estragos na estrutura betuminosa, no soalho e nas paredes.

O caso é relatado na sentença do Tribunal de Braga (de Março de 2018), que apreciou o pedido de indemnização de José e Maria – ele, agricultor, ela, doméstica –, que puseram a EDP Distribuição no banco dos réus, considerando-a responsável pelo sucedido, e reclamando uma indemnização de cerca de 68 mil euros a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

De acordo com a decisão a que o PÚBLICO teve acesso, o tribunal deu como provado que “o incêndio teve início num curto-circuito na tomada numa das divisões da adega, mais precisamente junto à porta de entrada, lado direito”. E também que este “resultou da sobrecarga de tensão na rede” da EDP Distribuição, “que originou um curto-circuito na referida tomada e que se propagou aos materiais circundantes”, negando assim razão à empresa, que defendia que o incêndio “teve a sua causa e origem na instalação particular dos autores e que a anomalia verificada na rede elétrica se traduziu apenas num ligador de fase que se encontrava calcinado”.

Como tal, condenou-a a pagar cerca de 52 mil euros. No valor incluem-se 24 mil euros pela reparação dos danos na casa, outros 12 mil euros por conta do recheio da adega e mais 15 mil euros por danos não patrimoniais.

EDP “assumirá o pagamento"

A EDP recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães, que por duas vezes (a última das quais em Janeiro) confirmou na íntegra a decisão da primeira instância. A empresa adiantou ao PÚBLICO que “assumirá o pagamento da indemnização estabelecida” e defendeu que “os portugueses têm todas as razões para se orgulhar da rede de distribuição, que permite o acesso à energia eléctrica com elevados padrões de segurança e qualidade, que a tornam numa referência na Europa”.

Já o advogado dos queixosos, Carlos de Faria, considerou a decisão judicial “de extrema relevância por obrigar a reflectir sobre o estado de conservação da linha eléctrica de média tensão, em particular nas zonas rurais”, e sobre “os riscos que representa o cruzamento de linhas na via pública”.

Segundo a sentença do Tribunal de Braga, a juíza não deu como provado que, naquela data, “quer a linha de média tensão, quer o posto de transformação, quer o ramal que abastece os autores” estivessem “em condições normais de exploração e em bom estado de funcionamento”. Referindo-se ao “nexo de causalidade” entre a avaria na rede e os prejuízos de José e de Maria, a juíza sublinhou que “se não fosse o incêndio provocado pela sobrecarga de tensão na linha que abastece o local de consumo dos autores, que originou um curto-circuito”, não teriam existido danos.

A sentença inclui relatos sobre “outras situações invulgares nesse dia”: um vizinho do casal garantiu que se registaram “situações de lâmpadas a piscar” a partir das 17h e outra vizinha contou que lhe aconteceu o mesmo. E ambos explicaram que “a luz foi abaixo e veio rapidamente” a meio da segunda parte do jogo de futebol entre o Vitória de Guimarães e o Sporting Clube de Braga a contar para a Taça de Portugal. Dizem ainda ter escutado um estrondo, nesse momento, “semelhante a um trovão”. Outro vizinho também testemunhou que o poste que se incendiou em frente ao talho até já tinha “faiscado” na semana anterior.

Dia 23 não foi caso isolado. A 8 de Novembro “ocorreram na casa de morada dos autores, e em habitações próximas, anomalias na corrente eléctrica” que fundiram lâmpadas, um computador, uma impressora e um quadro eléctrico das estufas dos idosos. José comunicou o sucedido à EDP, “que respondeu que ia mandar ao local uma equipa para verificar a situação, sem que tal tivesse acontecido”, o que deu origem a uma reclamação.

A 16 de Novembro, na casa de uma vizinha, “foi detectado um comportamento estranho na iluminação e nos aparelhos elétricos que ora acendiam ora desligavam”. No sábado anterior ao incêndio, o dono do talho também relatou que “verificou instabilidade na corrente eléctrica, que o obrigou a desligar momentaneamente as arcas e outras máquinas, com receio de eventuais avarias”. Além disso, “alguns dias depois do incêndio”, ocorreu um novo episódio junto à igreja, a menos de 500 metros do prédio dos autores, num poste público de iluminação “sentindo-se um forte estouro, seguido de uma sucessão de faíscas”.

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