Chuck D contou a história dos Clash em podcast

Stay Free: The Story of the Clash é o nome do podcast exclusivo do Spotify em que o rapper dos Public Enemy conta a história dos punks britânicos. O último episódio saiu esta quinta-feira.

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Chuck D narra a história dos punks britânicos The Clash no podcast Stay Free: The Story of the Clash DR

Na segunda metade do século passado, uma banda cruzou a barreira do underground para o mainstream mesmo tendo uma vontade de quebrar as regras do que a música devia ser (e isto não obstante um conhecimento enciclopédico do que tinha vindo antes, e até alguma reverência). Politicamente engajados, falavam do estado do mundo ao mesmo tempo que faziam as pessoas dançar, em concertos ou pistas de danças.

Nesta descrição tanto cabem os punks britânicos The Clash, surgidos em 1976, quanto os Public Enemy, a lendária banda de rap que apareceu em Long Island, Nova Iorque, uma década depois. E as semelhanças não são apenas superficiais. Carlton Ridenhour, o rapper que viria a ficar conhecido como Chuck D, foi persuadido a começar os Public Enemy por sugestão de Bill Stephney, que trabalhava com ele na rádio WBAU e era também o primeiro empregado da ascendente editora Def Jam. Stephney disse-lhe que Chuck D poderia ser “a versão hip-hop de Joe Strummer”. Ou seja, produzir música que, tal como a dos Clash, tivesse “peso intelectual e substância”, mas que também “fizesse a festa”.

É isso que torna Chuck D uma escolha tão interessante para narrar Stay Free: The Story of the Clash, um podcast documental em oito partes editado pelo Spotify em colaboração com a BBC Studios. É, pelo menos por agora, um exclusivo da plataforma de streaming de áudio. O derradeiro episódio saiu esta quinta-feira. Como se trata do Spotify, o programa vem acompanhado de uma playlist para os iniciados, com destaques da música da banda.

No programa conta-se a ascensão e a queda dos Clash, que duraram apenas dez anos – e, no álbum final, Cut the Crap, de 1985, já só tinham Joe Strummer –, mas deixaram uma marca indelével na música. Para isso, conta-se com a narração de Chuck D, que pinta um retrato do contexto sociopolítico duro da Londres dos anos 1970, com o início do punk e do clube Roxy. Para isso, recorre a narração, a excertos da música e de concertos, bem como a depoimentos, novos e antigos, de pessoas que estiveram na órbita de Joe Strummer, Mick Jones, Paul Simonon e Topper Headon. Alguns vêm de entrevistas de arquivo da BBC ou de outras estações de televisão e incluem, além dos próprios membros da banda, as vozes do fugidio Bernie Rhodes, o agente que os juntou e lhes deu um rumo, Don Letts, o DJ e realizador que foi membro de Big Audio Dynamite, a banda pós-Clash de Mick Jones, ou Palmolive, a baterista original das Slits, que foi namorada de Strummer e cuja banda fez várias vezes as primeiras partes dos Clash – a sua colega Viv Albertine inspirou Train in vain, o tema meio escondido de London Calling que se tornou um êxito.

Está tudo lá, contado de maneira simples e compreensível. As tumultuosas sessões de gravação, os discos duplos (London Calling) e triplos (Sandinista!) e os álbuns malditos, como o universalmente odiado Cut the Crap, já sem Mick Jones, ou o segundo disco, Give ‘Em Enough Rope, que foi mal recebido na altura mas tem hoje bastantes fãs. Também se abordam as querelas com a editora CBS, a violência e os motins nos concertos (e fora deles), que se mantiveram até ao fim, bem como o activismo político. Mostra-se a trajectória dos Clash, que nunca paravam nem tiravam férias, o sucesso, o falhanço, a conquista da América, a relação ambivalente com a fama, e até a crescente animosidade entre Joe Strummer, que queria sons mais convencionais, e o guitarrista Mick Jones, para quem a simplicidade já não chegava.  E, por fim, a implosão da banda após o despedimento, por Strummer e Simonon, de Mick Jones, bem como o fracasso do sonho de reunião da formação original, que acabou em 2002, aquando da morte, por ataque cardíaco, de Joe Strummer. Pelo meio, a experimentação, o reggae, o rap de Magnificent seven, a colaboração com o poeta beat Allen Ginsberg, os projectos abandonados para filmes.

Enquanto narrador, Chuck D não se limita a ler o texto, adicionando frequentemente a sua perspectiva pessoal. Como, por exemplo, quando menciona Elvis Presley como um dos “cinco grandes do rock’n’roll” e refere que, no passado, o atacou (“Elvis was a hero to most but he never meant shit to me”, proferia ele em Fight the power, a canção de Não Dês Bronca, de Spike Lee), mas não há como negar o peso do músico. Ou quando comenta, a propósito do comportamento errático em digressão e em hotéis, que uma banda composta por membros negros como os Public Enemy nunca poderia ter feito isso sem ser presa. No sétimo episódio, quando refere que Topper Headon, o baterista mais importante dos Clash, foi despedido por causa dos seus problemas com heroína, tudo enquanto a banda tinha uma mensagem antidrogas, e fala da bastante mediática toxicodependência de Flavor Flav, o seu companheiro dos Public Enemy.

O nome vem da canção que Mick Jones escreveu para Give’ Em Enough Rope, o segundo álbum, de 1978, gravado pelo produtor Sandy Pearlman, que era bem mais polido do que o disco de estreia de 1977. Era uma homenagem ao seu amigo de infância, Robin “Banks” Crocker, com quem discutia na escola quem era o melhor guitarrista, se Chuck Berry ou Bo Diddley. No podcast, Robin diz que, ainda hoje, pessoas lhe mostram tatuagens a dizer “stay free”, inspiradas pela canção. Isso comove-o, só tem pena de não gostar da canção.

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