Governo diz que acordo de que fala o BE é só “versão de trabalho”

Comunistas já vieram dizer que o Governo lhes apresentou propostas iguais e que estas, apesar de serem “um avanço”, ainda ficam longe do que o PCP pretende para a Lei de Bases da saúde. Propostas de alteração podem entrar até dia 22 para a Comissão de Saúde começar a votação na especialidade no dia 26.

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Nuno Ferreira Santos

Afinal, é um acordo ou uma “versão de trabalho”? Depois de os bloquistas terem anunciado que chegaram a acordo com o Governo para que a nova Lei de Bases da Saúde preveja o fim das taxas moderadoras nos cuidados de saúde primários e nos hospitais, assim como em consultas, em exames e análises, desde que prescritos por médicos numa unidade do Serviço Nacional de Saúde, e para o fim das parcerias público-privadas na gestão de hospitais, o Governo veio dizer que só há uma “versão de trabalho”.

Os bloquistas garantem que ficou ainda acertado que o sector privado e o sector social passam a ser “supletivos” do sector público em vez de funcionarem em “colaboração”, como prevê a proposta de lei do executivo. E está também acordada a valorização dos profissionais de saúde através de uma carreira que promova a dedicação plena, com incentivos e formação permanente – embora não seja ainda a exclusividade que o Bloco defende.

Estes compromissos foram assumidos entre o Bloco e o Governo nas negociações que tiveram nos últimos quatro meses e estão agora inscritos nas propostas de alteração que os bloquistas apresentaram nesta quarta-feira no Parlamento. Na verdade, o documento que o Bloco agora vai entregar como seu é o mesmo que o Governo lhe enviou e com o qual os bloquistas concordam inteiramente - tão inteiramente que o tornaram na sua lista de propostas de alteração, especificou ao PÚBLICO fonte bloquista. É o mesmo documento que António Costa referiu no debate quinzenal de há duas semanas que tinha enviado ao Bloco.

Porém, o gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, veio entretanto “esclarecer” que “o Governo não fechou qualquer acordo com um partido em particular”, mas apenas “participou num processo com vista à convergência de posições políticas” com o Bloco e PCP. Por isso, a proposta que o Bloco revelou “corresponde, na generalidade, a uma versão de trabalho” resultante das reuniões.

Duarte Cordeiro faz questão de realçar que a proposta foi “anteriormente validada” pela bancada do PS e que “existe total entendimento e articulação entre o Governo” e os socialistas nesta matéria. Porém, avisa que o PS irá apresentar propostas “com a redacção que entender” e que reflectem a vontade de “convergência” dos partidos da esquerda. Ou seja, o ónus de um acordo está no Parlamento, e não no Governo.

"Avanços” mas poucos, diz o PCP

Os comunistas vieram prontamente afirmar que estas propostas também lhes foram apresentadas pelo Governo. “Vão no sentido positivo e são um avanço em matérias essenciais, mas ainda não vão no sentido completo das propostas do PCP” - a recusa total de qualquer forma de PPP e de taxas moderadoras, por exemplo, ressalvou a deputada Carla Cruz. E é nessas questões que o PCP vai insistir para apresentar alterações à proposta de lei do Governo apesar de ter o seu projecto para a lei de bases da saúde.

A deputada insistiu na necessidade da gestão integralmente pública do SNS, sem o recurso a PPP nem para a gestão dos edifícios (que o acordo do BE com o Governo mantém), do fim de quaisquer taxas moderadoras - “ de que o PCP não abdica” - e da exclusividade dos profissionais.

Bloco espera que acordo com o Governo chegue para PS aprovar

No entanto, a grande interrogação é se o PS vai seguir este guião que o Governo acordou com o Bloco. É que o acordo com Bloco é com o Governo e não com o PS, pelo que a bancada socialista poderá sempre alegar a sua independência em relação ao executivo para poder votar de maneira diferente e inviabilizar as pretensões bloquistas – ao mesmo tempo que salvava a face do Governo. Questionado sobre se tem garantias de que o PS vai viabilizar estas propostas de alteração nas votações, Pedro Filipe Soares afirmou que as reuniões são bilaterais, entre o Bloco e o Governo - não incluem o PS - e que a expectativa dos bloquistas é que "o alcance do acordo tenha repercussão na votação”.

Questionado pelo PÚBLICO, Pedro Filipe Soares afirmou que o Bloco só fará propostas de alteração sobre as questões em que conseguiu acordo com o Governo. O prazo para entrega de propostas é segunda-feira, dia 22, para que as votações na Comissão de Saúde possam começar no dia 26, sexta-feira.

Estas quatro questões – PPP, taxas moderadoras, carácter supletivo do sector privado e social e valorização dos profissionais – foram precisamente os “eixos essenciais” do Bloco para a discussão da lei de bases na especialidade, aponta deputado Moisés Ferreira, coordenador do Bloco na Comissão de Saúde.

Parcerias público-privadas

No caso das PPP, fica estabelecido (numa norma transitória e na base 18) que as actuais parcerias público-privadas podem ir até ao fim, mas não haverá renovação para a gestão desses hospitais. Estão nesta situação as unidades hospitalares de Cascais (que já terminou e está à espera de concurso internacional), de Vila Franca (termina a 31 de Maio de 2021) e de Loures (acaba em Janeiro de 2022). A de Braga, que termina este ano, passará para a gestão pública no fim de Agosto – Moisés Ferreira admite que o processo de transição de Braga “pode dar o mote do que irá acontecer com as outras PPP”.

A proposta de lei do Governo estabelecia que a gestão dos estabelecimentos de saúde é pública mas deixava a porta aberta à gestão privada e às PPP. Agora, o Bloco propõe que a redacção da lei de bases estipule que “a renovação dos contratos de parceria, se contratualmente prevista, não pode incluir a gestão dos estabelecimentos”. Mas mantém a possibilidade da gestão privada dos edifícios.

Taxas moderadoras

A proposta de alteração do Bloco concertada com o Governo admite que a lei pode prever a cobrança de taxas moderadoras, incluindo o limite ao montante total a cobrar, e também pode determinar a isenção de pagamento devido à situação económica, doença ou vulnerabilidade do utente.

Mas, mais importante, o Bloco e o Executivo acordaram também que na lei de bases fica claro que “deixam de ser cobradas taxas nos cuidados de saúde primários e de todos os serviços que forem prescritos por um profissional no Serviço Nacional de Saúde”, descreveu o deputado Moisés Ferreira. Ou seja, deixarão de ser cobrados os actuais 4,5 euros pela consulta no centro de saúde, mas também todos os exames complementares de diagnóstico, análises ou consultas de especialidade prescritos pelo médico. O mesmo acontecerá nas urgências hospitalares desde que o doente venha referenciado – como actualmente já acontece, por exemplo, com quem telefona primeiro para a linha Saúde 24.

Esta dispensa de pagamento só pode ser feita por um profissional durante um serviço de atendimento no SNS, ou seja, não se aplica a prescrições feitas por um médico numa consulta no particular mas usando as suas vinhetas do SNS. Munido da prescrição, o doente poderá continuar a escolher onde realizar, por exemplo, os seus exames complementares de diagnóstico, mesmo que seja numa clínica privada, explicou ao PÚBLICO o deputado

Supletividade dos sectores privado e social

Na proposta de lei do Governo, este admitia continuar a recorrer, num regime de cooperação, ao sector social (como as misericórdias) e ao privado para a prestação de cuidados de saúde, mas nas negociações com o Bloco, admitiu restringir esse recurso. Por isso, terá acordado com os bloquistas que a lei inclua a possibilidade de acordos com entidades privadas e do sector social, assim como trabalhadores independentes, apenas “de forma supletiva e temporária”.

Valorização dos trabalhadores

Não conseguindo acordo para a imposição do regime de exclusividade dos profissionais do SNS, o Bloco e o Governo chegaram a consenso para uma formulação que consagra a “promoção de um regime de trabalha em dedicação plena”. Isto significa que não haverá prestação de trabalho a meios tempos e os profissionais irão cumprir horários completos – o que lhes permite, ainda assim, manter, por exemplo, actividade em consultórios, clínicas e laboratórios fora do seu horário de trabalho no SNS.

Estão, no entanto, previstos “incentivos” para a dedicação total, incluindo a “formação permanente”, mas também o reconhecimento de uma “carreira profissional que reconheça a sua diferenciação na área da saúde”.

O bastonário dos médicos, Miguel Guimarães disse nesta quarta-feira, à saída de uma reunião do Fórum Médico, que ignora em que consiste aquilo a que aqueles dois partidos chamam dedicação plena: “Não sei o que é. Acho piada que os representantes do BE e do PS falem de uma matéria que não existe. Querem agora que os médicos estejam disponíveis 24 horas por dia para trabalhar no Serviço Nacional de Saúde com os salários que recebem ao fim do mês? Eles, que já são os que mais horas suplementares fazem para que os serviços possam manter as portas abertas?”

O mesmo responsável concorda com a abolição das taxas moderadoras, mas não crê que o Estado esteja em condições de acabar com as parcerias público-privadas (PPP). “A parceria público-privada tem várias facetas, e não sei se não estão a considerar apenas a parte gestionária”, assinalou. Para dizer em seguida: “O que a líder do BE devia fazer era aquilo que teve no seu programa de candidatura, e exigir na altura de votar orçamentos na Assembleia da República que a saúde tivesse mais dinheiro”.

Actualmente há quatro PPP em vigor em hospitais públicos: no Hospital de Cascais, cuja parceria já terminou e aguarda por um concurso público internacional, que era gerido pelo grupo Lusíadas; no Hospital de Braga, que termina no final de Agosto, que é gerido pelo Grupo Mello Saúde; tal como o Hospital de Vila Franca de Xira (parceria termina a 31 de Maio de 2021); e o Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, que é gerido pelo Grupo Luz Saúde. Contactados pelos PÚBLICO os três grupos privados não quiseram fazer comentários sobre o alegado fim das PPP na Saúde, anunciado pelo Bloco.

O CDS, pelo contrário, faz mesmo questão de comentar o anunciado acordo para o fim das PPP na Saúde. “Esta questão deixou-nos baralhados, confusos”, diz a deputada Ana Rita Bessa, recordando que ainda recentemente, por despacho de 29 de Março, o Governo estabeleceu que o Hospital de Braga fica com gestão pública durante os próximos cinco anos e que, após esse período, se avaliará se é assim que se deve manter. “Ou seja, não se fecha a porta ao modelo de PPP”, sublinha Ana Rita Bessa, apontando ainda que, para o Hospital de Cascais, há um grupo de trabalho encarregado de preparar o caderno de encargos de um novo concurso para uma parceria público-privada e que em Agosto foram também criados grupos de trabalho para estudar soluções para os outros casos.

Perante isto, a deputada afirma que ao CDS não interessa tanto “os meandros do acordo ou se o Governo negoceia com o BE ou com o PCP ou se deixa o PS relegado para segundo plano - isso são questões domésticas”. O que interessa ao CDS, contrapõe Ana Rita Bessa, é perceber “qual é, afinal, a posição do Governo: é coerente com os despachos recentes, de avaliar caso a caso se a PPP faz sentido; ou é, como diz o Bloco, liminarmente contra todas as PPP?” com A.H./S.T./A.V.

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