Construir mais SNS: reforçar os Recursos Humanos

O debate sobre os profissionais de saúde não deve confinar-se a questões estéreis que acentuam clivagens entre profissionais.

Na passada semana foi divulgada uma carta aberta em defesa de um SNS de todos para todos, com origem num pequeno grupo de enfermeiros preocupados com a atual situação do SNS e da enfermagem que conta atualmente com cerca de 1000 signatários, incluindo várias personalidades da saúde e de outras áreas da nossa sociedade. Está disponível para subscrição em www.construirsnscomtodos.net, e visa contribuir para um recentrar do debate sobre o SNS e as suas profissões, nas quais se inclui a Enfermagem.

O SNS é o garante do direito fundamental da proteção da saúde de todos devendo ser forte e soberano. Ele existe para os cidadãos, mas não se concretizaria sem os seus profissionais, que sempre o defenderam em todos os períodos difíceis que o país atravessou e que se constituem como os seus pilares fundamentais.

Os profissionais que suportam o SNS viram fustigados os seus direitos durante os anos da troika. Apesar de alguns desses direitos terem sido parcialmente recuperados nos últimos três anos, não se evitou a degradação geral das condições de trabalho, nem tão pouco se valorizou o reconhecimento dos profissionais que estão na origem do descontentamento que se tem verificado. A resposta a esta insatisfação passa pela valorização e reconhecimento de competências, pela implementação de carreiras justas que respondam às necessidades do SNS, pelo fim da desigualdade de tratamento dentro dos grupos profissionais e, ainda, pela contratação de mais profissionais sempre que a carência esteja devidamente identificada. Importa encontrar soluções justas que garantam a correção de injustiças relativas e a prevenção de outras.

O debate sobre os profissionais de saúde não deve confinar-se a questões estéreis que acentuam clivagens entre profissionais, ou em iniciativas que viram a população contra os profissionais de saúde.

Vejamos o caso recente dos enfermeiros. As suas reivindicações ficaram bem patentes na agenda mediática e no debate levado a cabo pela sociedade portuguesa, nomeadamente na comparação entre a justeza das razões e dos meios usados na sua defesa. A greve como forma de luta é um direito aceite como legítimo pela opinião pública. Contudo, a recente experiência impõe uma reflexão sobre o uso deste instrumento que foi percecionado pelos cidadãos como desproporcional, face ao direito que têm de receber cuidados de saúde.

Assim, colocar o foco na defesa do SNS, afirmando que melhorá-lo passa também por condições de trabalho dignas e reconhecimento dos seus profissionais, será um contributo para melhorar o contexto no qual a qualidade dos cuidados de saúde acontece.

A valorização dos profissionais é uma estratégia importante para reforçar o SNS, e não deve ficar refém de alavancagens elitistas, que concedam a uns poucos a oportunidade de se afirmarem. Todos os profissionais devem ter iguais oportunidades de reconhecimento do seu percurso profissional. Descurar este princípio é abrir a porta a um descontentamento generalizado que encontra nos movimentos populistas a sua válvula de escape e desse modo enfraquece o SNS.

Tendo em conta as respostas aos desafios da nossa população que requer cada vez mais cuidados e mais complexos, por força das mudanças epidemiológica e tecnológica, entendemos que o Estado deve assegurar uma elevada qualificação dos seus profissionais. Deve também garantir uma política para as profissões do SNS que se adeque às reais necessidades dos cidadãos sem se confinar às lógicas intrínsecas das carreiras pensadas isoladamente. Estas têm de ser promovidas e suportadas em fatores motivacionais como: formação, investigação, estabilidade e dedicação exclusiva ao SNS. Este será um importante desincentivo à criação de vieses de mercado entre público e privado.

As dificuldades conjunturais não nos devem desmobilizar do compromisso com o bem comum. Pretendemos a construção de um futuro equitativo e sólido para as profissões de saúde. No momento em que se discute a nova Lei de Bases da Saúde, é o reforço de um SNS universal, geral e gratuito, com um efetivo enquadramento dos seus recursos humanos que, enquanto criação da Democracia, se afirma como um dos principais instrumentos de coesão social e de combate às desigualdades. Enfermeiros e promotores da Carta Aberta “Construir mais SNS com todos e para todos"

Os autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico

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