Crónica de uma derrapagem: Costa, de primeiro-ministro a cabeça de lista “de facto”

Em cerca de um mês, Costa passou da pregação do partido mais europeu para a propaganda mais nacionalista de que há memória.

1. A cada dia que passa, torna-se mais claro que António Costa vestiu a pele “cabeça de lista de facto” às eleições europeias. Como diz o povo, quem não quer ser lobo, não lhe veste a pele. Agora, já sem disfarce, Costa assume-se como o “cabeça de lista real”. Faz tudo por secundarizar e ofuscar o cabeça de lista virtual, escondendo-o, furtando-o a debates ou, então, apresentando-o em modo intermitente, ora como antigo ministro, ora como candidato a deputado, ora como putativo comissário. Neste fim-de-semana, ultrapassou mesmo os limites. É manifesto o grau de simplismo e de ligeireza, por vezes, mesmo de indigência, do discurso de “Costa-cabeça de lista”. Entre chavões incongruentes, contradições flagrantes e uma vozearia agressiva fica a ideia de um enorme nervosismo, de um incompreensível agastamento, de um intrigante estado de errância e de desnorte. Até onde irá, Costa-cabeça de lista?

2. Costa começou por fazer juras de amor à Europa, escolheu o slogan “somos Europa” e disse e repetiu à náusea que o PS era o único partido português que defendia a Europa. A dada altura, chegou mesmo a dizer que o PSD – pasme-se! – não teria propostas para as europeias. O PS era o único partido que levava a sério as eleições europeias.

3. Há umas semanas atrás, como quem está numa rixa de crianças, lançou a acusação de que o PSD não se atrevia a pedir um cartão vermelho ao PS. De repente, as eleições que eram europeias, o amor à Europa e o pomposo “somos Europa” foi atirado às malvas! Agora, já só estava em causa a governação do PS (e da “geringonça"). Tudo ficou reduzido a um desafio de futebol, muito nacional, muito caseiro, acusando os adversários – coisa insólita – de não pedirem um cartão vermelho. Costa quer mesmo acantonar as europeias no ringue nacional.

4. A contradição infantil de “Costa-cabeça de lista” não se fica por aqui, Na oportunidade seguinte, cheio de peito, diz que o PS não tem medo de pedir uma moção de confiança. Ou seja, agora a bola não está do lado da oposição, a bola passa para o lado do Governo. Nas eleições europeias, não interessam as propostas nem as políticas para a Europa, não interessa nem releva o currículo, a experiência e a credibilidade dos candidatos. Conta e só conta o plebiscito à governação do PS. Ao dizer que as europeias não passam de uma moção de confiança ao seu Governo, “Costa-cabeça de lista” faz uma reviravolta. Costa, com pose cesarista ou bonapartista, pede um plebiscito. Ao falar em moção de confiança, Costa caricatura e menospreza as eleições europeias! E faz lembrar tiques que hoje se vão ouvindo nas Roménias e nas Hungrias (que, por sinal, só o PPE efectivamente condena). Ou estão comigo ou estão contra mim! Não julguei que pudesse ouvi-las do primeiro-ministro luso; que, aliás, com este toque de maniqueísmo, mais parece num processo de “orbanização” em curso.

5. Como se não bastasse pedir uma moção de confiança para o seu Governo, deturpando o sentido das eleições e desvalorizando por inteiro a sua lista e o seu cabeça de lista, Costa excedeu-se e vai mais longe. Desde domingo, já não precisa da confiança dos portugueses; basta-se com uma moção de censura ao PSD; uma censura à oposição. É assim que estamos. Para Costa, as eleições europeias que só o PS levava a sério passaram a ser um plebiscito nacional, decidido por cartões verdes ou vermelhos, de confiança no Governo e de censura no PSD. A contradição de Costa-primeiro-ministro e de “Costa-cabeça de lista” não podia ser maior! Há desnorte, há desorientação, há resvalo.

6. O PS que dizia que as eleições eram europeias, agora define-as como veredicto puramente nacional. É o mesmo PS de sempre, que diz uma coisa e o seu contrário. É o Costa que diz que virou a página da austeridade em Lisboa, mas que põe Centeno a dizer em Bruxelas e Londres que afinal a austeridade continuou. É o Centeno que em Portugal diz que quer fazer a reforma da zona euro, mas que em Estrasburgo se recusa a participar no debate parlamentar sobre essa mesma reforma. É o Costa que diz que quer fazer uma boa negociação dos fundos europeus, mas que tem como cabeça de lista virtual o ministro responsável por cortes de 7% (certificados pelo Tribunal de Contas Europeu – 27 de Março) e, bem assim, pela pior execução de sempre (atestada pelo Banco de Portugal – 28 de Março). É o mesmo Costa que mais negligenciou e abandonou o Serviço Nacional de Saúde e depois elege a saúde como a grande prioridade se um dia voltar a ser Governo. É o Costa que diz que alivia os impostos, mas nos impõe a maior carga fiscal de sempre.

7. Em cerca de um mês, Costa passou da pregação do partido mais europeu para a propaganda mais nacionalista de que há memória. De repente, o que deveria ser um saudável exercício de pedagogia sobre a Europa, uma compreensão da relevância dos temas europeus e da dimensão europeia dos temas nacionais tornou-se numa vertigem voraz de chavões e frases feitas ao estilo paroquial. A pior e mais triste de todas é a de que o PSD quer usar as europeias para “tomar de assalto” o poder. Sobre “assaltos ao poder”, seja no partido, seja no Governo, talvez Costa devesse parar para pensar! E de uma coisa fique tranquilo e seguro: o PSD visa mesmo ganhar eleições; visa mesmo exercer o poder: mas pelo voto, com maioria e respeitando quem teve maiorias. E já agora: para servir os portugueses.

Quando vejo tanto nervosismo e tanta fulanização ditada pela pressão eleitoral, chego a perguntar-me: onde está o Costa que encontrei, nos dias de Conselho Europeu de Sófia (15 de Maio de 2018), que instava a que, cada um no seu âmbito, defendesse a posição portuguesa juntos dos líderes europeus? Onde ficou o Costa que encontrei informalmente, antes do Conselho Europeu de Salzburgo (19 de Setembro de 2018), e que achou importante que eu conhecesse a sua visão sobre o Sptizenkandidat do PPE?

Sim. Carlos Moedas. A fotografia do buraco negro deve-se ao esforço de centenas ou milhares! Mas é um orgulho que um português que tanto faz pela ciência esteja no centro da sua divulgação.

Não. Catedral de Notre-Dame. Este incêndio, seja qual for a sua origem, é uma ferida no coração da Europa, da cultura, da história, do espiritual e do sagrado. Quando Notre-Dame arde, nós sangramos.

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