As seis horas alucinantes da “festa da democracia” na Indonésia

Esta quarta-feira, mais de 190 milhões de eleitores num país com 17 mil ilhas vão votar no próximo Presidente e em mais 245 mil candidatos a outros 20 mil cargos. Widodo é favorito à reeleição, contra Subianto, um homem do antigo regime de Suharto.

Mais de seis milhões de voluntários trabalham na organização das eleições
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Mais de seis milhões de voluntários trabalham na organização das eleições LUSA/DAENG MANSUR
O Presidente Joko Widodo tenta um segundo e último mandato
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O Presidente Joko Widodo tenta um segundo e último mandato Reuters/WILLY KURNIAWAN
O antigo general Pabrowo Subianto adoptou um discurso contra as elites
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O antigo general Pabrowo Subianto adoptou um discurso contra as elites Reuters/WILLY KURNIAWAN

Cinco anos depois de terem escolhido, pela primeira vez, um Presidente sem passado político no velho regime do ditador Suharto, os 193 milhões de eleitores indonésios regressam esta quarta-feira às mesas de voto para fazerem uma escolha semelhante à que foram convidados a fazer em 2014. De um lado, o Presidente Joko Widodo, favorito para manter o país no caminho das reformas modestas que têm afastado a Indonésia do seu passado fechado e autoritário; do outro lado, tal como há cinco anos, o antigo general Prabowo Subianto, o homem que nas últimas eleições comparou a democracia ao vício do tabaco e que se transformou para esta campanha num porta-voz da luta contra as elites.

Se nas eleições de 2014 o então candidato Widodo foi comparado ao então Presidente dos EUA Barack Obama – pelas promessas de mudança e de uma nova era na política indonésia –, este ano o seu grande adversário pode trazer à memória o actual Presidente norte-americano, Donald Trump.

Tal como o magnata do imobiliário, o antigo general Prabowo Subianto é um multimilionário que fez fama e fortuna no establishment durante décadas, e que agora aposta na denúncia das elites como trunfo para impedir a reeleição do Presidente Joko Widodo, conhecido na política com Jokowi.

“Estou cansado e enojado com as elites maléficas em Jacarta. Enojado! Só sabem mentir ao povo”, disse Subianto, candidato do partido populista e nacionalista Gerindra, num comício na cidade de Yogyakarta. Segundo o relato do correspondente do jornal The New York Times, Subianto deu depois uma palmada no pódio e fez voar um dos microfones, enquanto a multidão gritava o seu nome.

Os institutos de sondagens mais respeitados na Indonésia são unânimes: ganhe por muitos, ou por poucos – e o mais provável é que ganhe por muitos –, Jokowi deverá ser reeleito para um segundo e último mandato de cinco anos. Uma das sondagens mais recentes, da Saiful Mujani Research & Consulting, põe o actual Presidente à frente com 56,8% dos votos e Prabowo Subianto com 37%.

“Se Jokowi ganhar, como é expectável, não é provável que faça mudanças profundas no país”, dizem os especialistas em política indonésia Hadrian Djajadikerta e Ella Prihatini, num artigo no site australiano The Conversation.

“Para ele, o maior desafio é manter o crescimento económico da Indonésia. Tem de haver mais reformas para reduzir o proteccionismo, encorajar o investimento estrangeiro e melhorar a produtividade. E também é preciso fazer mais para combater a corrupção e o excesso de burocracia.”

Imagem do passado

Mas para o adversário do Presidente Jokowi, o futuro não passa necessariamente pela democracia – ou, pelo menos, por uma democracia semelhante às europeias, a que Prabowo Subianto chama “destrutiva”.

“Precisamos de um consenso”, disse o antigo general durante a campanha eleitoral de 2014, num apelo que faz recordar os primeiros anos do regime do Presidente Suharto. “Líderes políticos, intelectuais, religiosos e culturais, até os trabalhadores. Não quero que esta anormalidade nos faça abandonar os valores culturais dos nossos antepassados”, disse Subianto num discurso em Jacarta, há cinco anos, onde fez uma comparação que correu mundo: “A democracia é como o tabaco; depois de se começar, é difícil largar.” 

Ao contrário de Jokowi, de 57 anos, tudo em Subianto faz lembrar as décadas de ditadura na Indonésia. Em 1983, casou-se com uma das filhas de Suharto, Titiek Suharto; e o seu pai, Sumitro Djojohadikusumo, foi ministro da Economia do antigo Presidente indonésio. Em 1998, foi afastado do Exército por envolvimento no sequestro e desaparecimento de vários activistas pró-democracia, entre 1997 e 1998, um caso que ainda hoje motiva apelos contra a sua candidatura a cargos políticos – em Março, um grupo de familiares dos activistas sequestrados apelou ao voto em Jokowi, contra Subianto, a quem chamaram “o violador dos direitos humanos".

Eleições “impressionantes"

Depois da campanha eleitoral de 2014, repleta de golpes baixos e que culminou com uma intervenção do Supremo Tribunal para confirmar a vitória de Jokowi, o ambiente deste ano tem sido mais calmo.

Segundo o site Indonesia at Melbourne, da Universidade de Melbourne, uma maior independência dos jornais e dos canais de televisão em relação a 2014, e a aprovação de uma nova lei em 2017, fez com que a compra de votos – um problema que afecta um terço dos eleitores, segundo um estudo do professor Burhanuddin Muhtadi, da Universidade de Jacarta – seja hoje um fenómeno mais controlado.

E o simples facto de haver eleições livres e respeitadas na Indonésia é um feito “impressionante”, diz Ben Bland, director do Projecto Sudeste Asiático no Instituto Lowy, da Austrália.

“Como é que se organizam eleições livres e justas num país em desenvolvimento mergulhado em corrupção política, incompetência burocrática e ineficácia organizacional”, pergunta o responsável num artigo publicado no site The Interpreter. E, para complicar ainda mais esse cenário, esta quarta-feira é a primeira vez em que as presidenciais se realizam ao mesmo tempo das eleições para as duas câmaras do parlamento – e para os representantes nas províncias e nas cidades, num total de 245 mil candidatos para mais de 20 mil lugares.

“Está longe de ser um processo perfeito, e muitas vezes os resultados são contestados”, salienta Ben Bland. Mas o passado da comissão de eleições no que toca a garantir eleições justas deixa antever um dia calmo, entre as 7h e as 13h locais (entre a 1h e as 7h da próxima madrugada em Portugal) – durante as seis horas em que a Indonésia vai organizar “as maiores eleições presidenciais directas no mundo e uma das eleições de apenas um dia mais complicadas da História”, diz o responsável do Instituto Lowy.

Esta quarta-feira, quando o “festival da democracia” (pesta demokrasi, como os indonésios chamam às eleições) der lugar ao momento decisivo, mais de seis milhões de voluntários espalhados pelo país vão trabalhar em 800 mil secções de voto, cada uma com entre 200 e 300 eleitores.

Para evitar dúvidas na hora de contar os votos, os eleitores furam o boletim com um prego em vez de marcarem os símbolos dos partidos e os nomes dos candidatos – depois, a contagem é feita em público, com cada boletim a ser levantado para que todos vejam o local assinalado. Um método que permite uma contagem em tempo real, acompanhada pelos media, e que serve para se avançar uma estimativa mais próxima do resultado final do que através das tradicionais sondagens à boca das urnas.

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