Sindicalistas na lista de Ventura podem colar PSP a extrema-direita, temem críticos

Um dos potenciais candidatos, Peixoto Rodrigues, lidera sindicato ao qual pertencem 16 dos 17 polícias da Esquadra de Alfragide acusados de racismo e tortura. Dirigentes de outros sindicatos comentam com reserva. Lista foi entregue ao Tribunal Constitucional esta segunda-feira, que terá que aprová-la.

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Peixoto Rodrigues lidera o sindicato ao qual pertencem 16 dos 17 polícias da Esquadra de Alfragide que estão em julgamento acusados de racismo e tortura contra seis jovens da Cova da Moura LUSA/ANTONIO COTRIM

A presença de dois dirigentes sindicais da Polícia de Segurança Pública (PSP) na lista da coligação encabeçada pelo dirigente político de extrema-direita André Ventura está a gerar críticas e também desconforto dentro da própria instituição.

Mas Pedro Magrinho, presidente da Federação Nacional dos Sindicatos da Polícia (FNSP) que está em sétimo da lista, e Peixoto Rodrigues, presidente do Sindicato Unificado da Polícia (SUP) que está em 10º, não vêem incompatibilidades. Peixoto Rodrigues lidera o sindicato ao qual pertencem 16 dos 17 polícias da Esquadra de Alfragide que estão em julgamento acusados de racismo e tortura contra seis jovens da Cova da Moura.

“Choca-me o facto de estarem associados a um partido de extrema-direita que pode vir a conotar toda a PSP, o que não corresponde à realidade”, diz o líder do Sindicato dos Profissionais de Polícia, Mário Andrade.

Paulo Rodrigues, presidente do maior sindicato da PSP com mais de 10 mil sócios activos num universo de 20 mil, a Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP), não quer comentar directamente mas afirma que o seu sindicato nunca se irá associar a qualquer partido ou ideologia. Armando Ferreira, da Sinapol, não presta declarações.

Também especialistas na área corroboram a ideia de que aquelas candidaturas permitem generalizações. “É um tiro no pé”, que vai “fazer com que haja uma colagem das forças de segurança à extrema-direita”, afirma Paulo Machado, especialista em sociologia da segurança pública.

“Se algum efeito [isto tem] é tornar transparente” o fenómeno da penetração da extrema-direita nas forças de segurança, “que nas últimas décadas tem vindo a tomar dimensão”, diz, por outro lado, o jurista Jorge Teixeira Lapa, que acompanhou a criação da lei que rege o sindicalismo da PSP, de 2002, quando trabalhava no Ministério da Administração Interna (MAI). Nem o MAI nem a Direcção-Nacional da PSP comentaram.

Esta segunda-feira foi entregue no Tribunal Constitucional, para aprovação, a lista com os candidatos da coligação entre o Partido Popular Monárquico (PPM) e o Partido Democracia e Cidadania Cristã (PPV/CDC) que vai a votos com o nome “Basta” – apesar de já se ter constituído legalmente, o partido de André Ventura, o Chega, não integra formalmente a coligação, porque não reuniu em congresso.

O gabinete de apoio ao eleitor da Comissão Nacional de Eleições (CNE) referiu, num esclarecimento aos dirigentes sindicais e que foi enviado ao PÚBLICO, que existe “inelegibilidade prevista para os militares e os elementos das forças militarizadas pertencentes aos quadros permanentes”, mas que esta “não parece ser extensível aos agentes das forças de segurança (PSP)”. Questionada pelo PÚBLICO, a CNE não adiantou mais esclarecimentos.

Será agora o TC, “nos dois dias subsequentes ao termo do prazo de apresentação de candidaturas”, a dar o aval aos sindicalistas, informou o gabinete de imprensa.

Ligação de polícia e política não é inédita

Peixoto Rodrigues diz que se candidata como cidadão e não como sindicalista porque acredita que “precisamos de uma Europa com regras” e “segura”. Considera que o Parlamento Europeu “está representado por elites” e que é necessário que o seja “por pessoas de base, do povo”. 

Afirmando que já conhece André Ventura “há alguns anos”, o presidente do sindicato com três mil associados e 120 dirigentes nega que o líder do Chega tenha proferido declarações racistas ou xenófobas. André Ventura, que acusou os ciganos de viver de subsídios, afirmou: “Quando digo que somos tolerantes com algumas minorias, refiro-me a certos casos em que manifestamente a lei não é cumprida. A verdadeira discriminação é permitir que alguns não cumpram a lei, em detrimento daqueles que vivem com as regras do Estado de Direito.”

Manifestou ainda publicamente posições radicais sobre o combate ao crime, defendendo a pena de morte para pedófilos ou terroristas, a prisão perpétua, a castração química para pedófilos ou o trabalho forçado para reclusos.

Pedro Magrinho justificou a sua escolha porque “André Ventura tem defendido os polícias”, algo “que mais ninguém” tem feito. “Ao longo dos anos o Governo alterna entre PS e PSD e não há melhorias na área da segurança”, justifica. “Nunca assisti [André Ventura a ter] uma posição de extrema-direita.” O presidente da federação que junta os Sindicato Unificado da Polícia e o Sindicato Oficial de Polícia e que representa cerca de três mil sócios diz: “Nunca irei violar qualquer princípio que me coloca em situação de tendência racista ou xenófoba.”

Paulo Machado considera que estas candidaturas vão permitir a propagação de “comentários” com tendência para a “generalização”: “É expectável que essa colagem se faça”, mesmo que não corresponda à realidade, porque “a instituição é mais saudável”, acredita. Mais: “Se pensarmos nos acontecimentos recentes, vai-se criando na opinião pública a imagem de que temos forças de segurança da extrema-direita, o que é preocupante.”

A forma como a PSP recruta

Por outro lado, o presidente da ASPP afirma, quando questionado sobre o facto de se tratar de um partido que veicula ideias extremistas: “A questão tem que ser vista ao contrário – as pessoas que partilham algumas ideias, não as partilham só agora. A polícia não tem que se preocupar especificamente com estas duas candidaturas mas com a forma como recruta e faz a formação de polícias para garantir que intervém de acordo com a lei.” 

O dirigente sindical garante que a ASPP “não permitirá” que nenhum dos seus dirigentes se candidate em qualquer eleição, “porque” isso iria torná-la “refém de uma linha partidária”. Embora reconheça que enquanto sindicato já se reuniu com “todos os partidos”, garante que “sempre” lhes deixou claro que a ASPP não iria defender “qualquer tese ideológica”.

Independentemente da questão legal, Jorge Teixeira Lapa defende que “um agente policial no activo não deve ser candidato a nenhumas eleições”. “Há um problema ético por estarem no activo. E outro, que é serem dirigentes sindicais.”

O facto de integrarem a lista de uma coligação como o Basta não o surpreende, assim como não o surpreende que “sejam favoráveis e adeptos desta linha ideológica”. Preocupa-o que “ideologias que advogam a violência, a discriminação étnica e racial ou a intervenção musculada do Estado e das forças de segurança” tenham “cada vez mais adeptos” e que “se organizem em “partidos ou outros movimentos”.

O jurista defende mesmo que “internamente ou acima” deveria existir a preocupação de criar mecanismos “que impeçam uma deriva ideológica das forças policiais”. Porque não se trata, afirma, de “uma questão pontual deste Governo”. 

A ligação de polícias à política não é inédita. António Ramos, fundador do Sindicato dos Profissionais de Polícia, foi candidato pelo CDS-PP à câmara de Vila Franca de Xira nas eleições de 2013; e também o ex-dirigente do sindicato SNOP, Carlos Ferreira, está em licença especial como deputado pelo PSD na Assembleia Regional dos Açores. 

Em Março, o Chega teve que voltar a recolher assinaturas para se formalizar como partido uma vez que foram “invalidadas várias assinaturas”, nomeadamente pela presença de menores e de forças policiais.

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