Magistrados argelinos ameaçam boicotar supervisão das eleições

Protestos de sexta-feira continuam, com maior repressão policial. Manifestantes e magistrados querem eleições organizadas por um conselho de transição e não por figuras do regime.

Juízes e advogados em frente ao Ministério da Justiça
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Juízes e advogados em frente ao Ministério da Justiça MOHAMED MESSARA/EPA
Mustapha Bouchachi no protestos dos advogados
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Mustapha Bouchachi no protestos dos advogados MOHAMED MESSARA/EPA

É mais um desafio ao modo como o regime argelino pretende fazer a transição para um novo presidente: os magistrados e advogados do país estão juntos num sit-in em frente ao Ministério da Justiça, pedindo que a transição e organização sejam levadas a cabo por uma autoridade tecnocrata e não ligada ao regime do ex-Presidente Abdelaziz Bouteflika.

Os magistrados e advogados têm apoiado as manifestações populares que desde há dois meses saíram à rua para exigir, primeiro, o afastamento do então Presidente, Abdelaziz Bouteflika, e a seguir do regime que estava no poder. A capacidade de Bouteflika estaria, suspeita-se, comprometida desde que sofreu um AVC (acidente vascular cerebral) em 2013. Mas ainda concorreu, e venceu, em 2014.

Os manifestantes pedem agora o afastamento de todos os responsáveis do sistema, ou do “poder”, como lhes chamam os argelinos. A solução encontrada pelo regime para a transição foi aplicar um artigo da Constituição em caso de incapacidade do Presidente que deixa o líder do Senado como interino – mas tanto manifestantes como magistrados querem alguém que não esteja ligado ao “poder” encarregado desta tarefa.

Há duas semanas, o conselho nacional das associações de advogados pediu um conselho presidencial para supervisionar o período de transição. Agora, os magistrados ameaçam mesmo com “um boicote da supervisão da eleição presidencial de 4 de Julho”.

Nos protestos de ontem, os primeiros de sexta-feira depois de Abdelkader Bensalah ter sido nomeado Presidente interino, a polícia usou canhões de água e gás lacrimogéneo contra os manifestantes. Foram ainda detidas 108 pessoas, descritos como “infiltrados” pelas autoridades, que dizem ainda que 27 agentes da polícia ficaram feridos.

“Polícia, larga o cassetete, junta-te a nós”, diziam alguns dos manifestantes. “Bensalah, fora”, diziam outros. “Eles vão sair”, era a legenda das fotos dos protestos nas redes sociais.

O movimento de protesto não têm ainda líderes, embora o antigo presidente da Liga Argelina de Defesa dos Direitos Humanos tenha conseguido um grande número de seguidores, nota a BBC. Por isso, as redes sociais têm sido usadas para organizar as manifestações, que se têm estendido para muitas cidades argelinas além da capital.

É através do Facebook que se decidem slogans, combinam canções, e que foi mesmo criado mesmo um grupo de voluntários para detectar potenciais infiltrados que os manifestantes temem que sejam mandados pelo regime para atacar quem esteja a protestar ou para levar a cabo acções violentas em seu nome para manchar a imagem dos manifestantes e justificar violência.

O chefe do Exército, Gaid Salah, prometeu esta semana julgar “todo o gang, ou seja, o círculo de Bouteflika, por suspeitas de corrupção. No que foi visto como a maior indicação do seu papel actual de poder. O regime argelino é notoriamente opaco, e analistas sublinham a dificuldade de saber exactamente que é que são as pessoas que o sustentam e dele beneficiam.

Cerca de 70% da população tem menos de 30 anos, e com uma alta taxa de desemprego, muitos querem a modernização da economia e que esta diversifique e não esteja apenas dependente do sector da energia.

Além de prometer mão dura com suspeitas de corrupção, o chefe do Exército Gaid Salah deixou um aviso aos manifestantes, alertando-os para reivindicações que possam ir contra a Constituição do país.

Os generais cancelaram já uma eleição na Argélia, no início dos anos 1990, que deveria ser ganha pelos islamistas – a guerra civil que se seguiu deixou entre 100 mil e 200 mil mortos. O medo do regresso de instabilidade e potencial de conflito foi o que deixou muitos argelinos com medo de protestos e manifestações. Os protestos que começaram há dois meses são, assim, algo muito excepcional.

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