Bispo do Algarve abre as portas do Paço Episcopal, ao fim de cinco séculos

O palacete tem no seu interior um conjunto de azulejaria único no Sul do país. A Igreja procura divulgar a cultura junto dos visitantes mas não se quer confundir com os “homens da economia” do turismo.

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Samuel Mendonça
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Missal
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Pentateuco de Faro, por Samuel Gacon
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Pentateuco de Faro, por Samuel Gacon
Prelo e caracteres móveis de Gutenberg
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Prelo e caracteres móveis de Gutenberg
Scriptorium medieval com monge copista
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Scriptorium medieval com monge copista

A história das virtudes humanas, representadas em conjuntos de azulejos, encontra-se a partir desta sexta-feira exposta ao público na casa do bispo do Algarve, D. Manuel Quintas. O palacete, localizado na zona velha da cidade de Faro, abre as portas ao turismo cultural e à curiosidade dos algarvios. “Temos aqui a maior colecção de azulejos do sul do país”, revela o cónego César Chantre, durante uma visita guiada a uma turma dos alunos de Colégio de Nossa Senhora do Alto Faro, sublinhando os valores humanistas – honestidade, justiça, verdade – e outros princípios retratados nestas peças de cerâmica do século XVIII, da autoria de Domingos de Almeida.

César Chantre chama a atenção para o primeiro painel, à entrada do edifício. “Estamos na casa do bispo do Algarve, que tem os azulejos mais bonitos do Sul do país”, enfatiza. O edifício, de dois pisos, foi restaurado e é agora uma das salas das visitas culturais da cidade. 

Lá dentro, a História desenrola-se pelas paredes do velho edifício. São vários os episódios que ali estão retratados – como o que ocorreu após o terramoto de 1755, em que as estruturas do edifício, assim como da Igreja, foram abaladas. César Chantre decifra aos estudantes a mensagem que é transmitida na Sala da Unidade: “Já ouviram falar num primeiro-ministro de Portugal chamado Marquês de Pombal? Bem, ele teve alguns problemas com a Igreja – gostava de ver uma Igreja nacional, portuguesa, não muito ligada ao Papa.” Para fazer face à investida política, prossegue, o bispo de então respondeu socorrendo-se da arte: “Mandou fazer estes azulejos [alusivos às virtudes] como quem diz: nós manteremos a unidade a Roma e é por isso que esta sala se chama a da Unidade.”

O saque dos ingleses

As grossas paredes de pedra não falam mas há silêncios que transportam mensagens. Uma delas remonta a um episódio negro da história de Faro. A velha aliança entre Portugal e Inglaterra (tratado de Windsor -1386) foi manchada em Julho de 1596 quando o corsário inglês Robert Devereux, segundo-conde de Essex, saqueou e incendiou a cidade, levando para a Inglaterra cerca de uma centena de obras da biblioteca da diocese. Entre estas, destaca-se aquele que se julga ser o único exemplar conhecido da mais antiga obra impressa em Portugal – uma versão hebraica do Pentateuco (compilação dos primeiros cinco livros da Bíblia). Saiu da tipografia do judeu Samuel Gacon em 1487.

Devolver ao Algarve os livros, entre os quais o Pentateuco, roubados à biblioteca do bispo D. Fernando Martins Mascarenhas – à frente da Diocese do Algarve entre 1594 e 1616 -, é um objectivo que Portugal não quer deixar de prosseguir. A primeira investida para recuperar o espólio roubado deu-se há cerca de cinco anos, através da Associação de Defesa e Promoção do Património Ambiental e Cultural de Faro – Faro 1540, que aprovou em assembleia geral uma moção em que exigia a devolução desse património a Portugal, sublinhando que o conde Essex foi o responsável por um dos “mais negros episódios da cidade”.

Mas há outro tipo de acções em curso. Segundo o presidente do Círculo Teixeira Gomes, Paulo Neves, “daqui a duas semanas, uma delegação do Algarve estará na biblioteca da Universidade de Oxford [onde se encontra o espólio saqueado à diocese], para fazer uma investigação a cargo do historiador José António Martins - e já há autorização para esse trabalho”. Por outro lado, disse, estão a ser desenvolvidos contactos diplomáticos com o objectivo de fazer reedições fac-simile dessas obras para integrar o “Núcleo Histórico da Imprensa de Gutenberg do Pentateuco de Faro”, que funciona na antiga capela do edifício, ocupada em 1913 pela armada portuguesa, aquando da implantação da República.

Um desses fac-simile das obras que estão na Universidade de Oxford, diz Paulo Neves, pode ser do “primeiro manuscrito do catálogo da biblioteca, com 200 folhas, que se refere à ‘vida gloriosa de S. João'”, escrito por António Pereira.

No passado mês de Novembro, o Círculo Teixeira Gomes, em conjunto com a Diocese do Algarve, abriu uma exposição permanente, visitável todos os dias excepto à segunda-feira, dedicada à escrita, tendo como pedra angular a reedição do Pentateuco, a cargo da editora Sul, Sol e Sal.

Na antiga capela episcopal, que foi profana para servir de ginásio para os marinheiros, restam ainda no tecto alguns apetrechos que serviam para fazer exercícios de subir e descer à corda. Porém, o principal motivo das visitas ao local – restaurado para servir de pólo museológico – reside no contributo das peças que ali estão expostas para a história da escrita. Além do primeiro livro impresso em Portugal, também se encontra patente ao público uma réplica do prelo de Gutenberg, cedida pela Fundação Portuguesa das Comunicações, semelhante à que terá sido usada em Faro pelo tipógrafo judeu Samuel Gacon, em 1487, e que se encontra hoje na British Library, a biblioteca nacional do Reino Unido.

Para a abertura da casa do bispo, na passada quinta-feira, foram convidadas várias entidades e associações ligadas ao turismo. A receita das entradas, 2,5 euros, destina-se a manter o valorizar o património. “Não temos ajudas directas ou indirectas do Estado”, frisa César Chantre. “[Mas] não olhamos para o turismo como os homens da economia ou das finanças.” A importância de dar a conhecer o interior deste edifício do século XVI, alude, surge na sequência dos novos olhares do papa Francisco sobre o que se passa no mundo. O objectivo da Igreja, sublinha, é “criar condições para que a humanidade seja equilibrada, expressando-se na diversidade cultural”.

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