Uber admite que manchas na reputação são um risco para o negócio

Numa altura em que o mundo olha com desconfiança para os gigantes tecnológicos, a empresa avisa que a conduta do passado pode pesar nas contas futuras.

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A Uber diz estar a corrigir a cultura interna da empresa Reuters/SHANNON STAPLETON

É normal que as empresas a preparar a entrada em bolsa enumerem uma longa lista de riscos, que podem ameaçar o negócio e colocar em causa o dinheiro dos investidores.

Muitos destes riscos não são mais do que formalidades, enquanto outros nunca se concretizam. O Google, por exemplo, apontava a possibilidade de desastres naturais afectarem a infra-estrutura de servidores. Também listava os desafios colocados por concorrentes como a Microsoft, o Yahoo e os media tradicionais.

Na lista de principais riscos agora reconhecidos pela Uber (no mesmo documento em que comunicou prejuízos de 1,8 mil milhões de dólares), surge um problema que assombrou a empresa nos anos recentes e que reflecte uma narrativa negativa sobre o mundo tecnológico de Silicon Valley, e as disparidades económicas e de género que lhe estão associadas.

“Manter e melhorar a nossa marca e a nossa reputação é crítico para as perspectivas do nosso negócio. No passado, tivemos uma cobertura mediática significativa e publicidade negativa, particularmente em 2017, e um fracasso em reabilitar a nossa marca e reputação vai levar a que o nosso negócio sofra”, lê-se na documentação entregue nesta quinta-feira ao regulador dos mercados financeiros dos EUA.

Por um lado, a reputação da Uber sofreu com a forma como se relaciona com os condutores, que são trabalhadores independentes e entregam à empresa uma parte do que facturam com cada viagem (a Uber admite que será um problema se tiver de reconhecer os condutores como funcionários).

Por outro, os casos de assédio e uma cultura de tolerância face a comportamentos impróprios levou ao afastamento do fundador e ex-presidente executivo, Travis Kalanick (que mantém uma importante posição accionista e será um dos grandes beneficiados com a entrada em bolsa).

A questão é abordada logo na carta escrita pelo actual presidente executivo, Dara Khosrowshahi, aos potenciais investidores. “É claro, ao ir do ponto A ao ponto B, não fizemos tudo bem. Alguns dos atributos que fizeram da Uber uma startup de imenso sucesso – um sentido feroz de empreendedorismo, a nossa vontade de correr riscos que outros poderiam não correr, e aquele conhecido frenesim da Uber – levou-nos a dar passos em falso”, escreveu o gestor, que em 2017 substitui Kalanick e que acrescentou ainda uma nota pessoal: “Quando me juntei à Uber como CEO, muitas pessoas perguntavam porque é que deixaria a estabilidade do meu anterior emprego por um que não tinha nada disso.” Khosrowshahi era anteriormente presidente da Expedia, um site de reservas de viagens.

Os momentos que afectaram a percepção pública da Uber foram vários.

Em Janeiro de 2017, quando Donald Trump decretou a proibição de entrada nos EUA de cidadãos de sete países de maioria muçulmana, os taxistas de Nova Iorque decidiram protestar contra a medida, com uma greve aos serviços na zona do aeroporto JFK. A Uber manteve a actividade normal, levando a um coro de protestos na rede social que motivou a hashtag #DeleteUber (Apague a Uber).

Um dos episódios mais marcantes desenrolou-se pouco depois e começou com um texto publicado online, em Fevereiro de 2017, por uma antiga engenheira da empresa. Esta afirmou ter sido vítima de assédio e discriminação ao longo do ano em que trabalhou na Uber e acusou os recursos humanos e a administração​ de nada fazerem. O relato, fortemente mediatizado, originou uma investigação interna.

O caso explodiu na mesma altura em que surgiu na Internet um vídeo de Travis Kalanick a discutir com um condutor de um Uber, que se queixava de não conseguir ganhar dinheiro. Possivelmente sem conhecimento de que estava a ser filmado, Kalanick perdeu as estribeiras.

Poucas semanas depois, o fundador foi afastado dos comandos da Uber por um grupo de investidores da empresa.

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