Marroquino que acusa compatriota de terrorismo contradiz-se em tribunal

Juiz de instrução Ivo Rosa já tinha assinalado fragilidades no depoimento daquela que é a principal testemunha da acusação.

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Testemunha ouvida em tribunal afirma ter familiares retidos na Síria Ammar Abdullah

A principal testemunha de acusação do caso do cidadão marroquino acusado de terrorismo, o sexagenário Abdessalam Tazi, entrou esta quinta-feira em contradição em tribunal.

Mohamed El Hanafi acusa o compatriota Abdessalam Tazi de ter feito uma lavagem cerebral ao irmão Hicham, detido em França pelo mesmo tipo de crime, para o converter às fileiras do auto-proclamado Estado Islâmico. Tazi e Hicham chegaram a viver juntos em quartos alugados em Aveiro, sendo suspeitos de ter preparado em Portugal ataques em solo europeu que acabaram por nunca vir a ter lugar. Apesar de terem permanecido em território nacional ao abrigo do estatuto de refugiados e dos seus magros rendimentos, viajaram por vários países da Europa e da América do Sul.

Com 30 anos, Mohamed El Hanafi chegou a Portugal em 2015, cerca de ano e meio depois do irmão. Diz que não o reconheceu quando o visitou em Aveiro: “Parecia que estava a falar com outra pessoa. Em Marrocos levava uma vida “normal”, “bebia álcool ao fim-de-semana” e tinha namoradas. Quando o encontrou em Portugal admirou-se ao perceber que se fartava de rezar e de falar de religião. “Mudou completamente, só falava da jihad”, declarou.

Conta que tanto ele como Tazi o terão tentado convencer a juntar-se à guerra santa, e a viajar para a Síria, país onde Hicham lhe contou que tinha estado durante dois meses, em treinos. “Achei estranho que andassem sempre com as carteiras cheias de dinheiro. Diziam que se vivia bem na Síria, que havia trabalho, que se praticava o Islão e se ganhava no mínimo 1900 euros  por mês”, disse também o marroquino, que é serralheiro de profissão e mora com a mulher nos arredores de Lisboa.

O problema é que quando foi interrogado pelos procuradores que investigaram este caso, na fase de instrução do processo, Mohamed El Hanafi assegurou que tinha sido sempre o irmão Hicham a aliciá-lo com a “vida boa” de que podia usufruir no país que esteve parcialmente dominado pelo auto-proclamado Estado Islâmico. “A mim o Tazi nunca me disse para ir para a Síria”, afirmou de forma peremptória a testemunha quando foi inquirido em 2018. Porém, naquela altura foi interrogado na presença do arguido, de quem afirma ter medo, ao contrário do que sucedeu nesta quinta-feira no Campus da Justiça.

Estas contradições não escaparam ao advogado do arguido, Lopes Guerreiro, que, mesmo sem entrar em detalhes, assinalou que esta é a terceira versão dos factos apresentada por Mohamed El Hanafi. De resto, o juiz de instrução do caso, Ivo Rosa, que não pronunciou Abdessalam Tazi para ser julgado por terrorismo mas foi depois ultrapassado pelo Tribunal da Relação nessa decisão, já assinalara que o depoimento que lhe fora prestado por Mohamed El Hanafi se apresentava “com algumas fragilidades”, precisamente em virtude das suas contradições.

O serralheiro conta ainda que as mulheres da sua família – a mãe, as quatro irmãs e as respectivas filhas – rumaram todas à Síria também por influência de Abdessalam Tazi e do seu irmão. Agora querem sair de lá e não as deixam, garante, explicando que de vez em quando consegue trocar mensagens com a progenitora via whatsapp, mas nunca em tempo real. “Tazi tem de pagar pelo que fez à minha família.”

Preso preventivamente na cadeia de alta segurança de Monsanto, o arguido sempre negou qualquer ligação ao Daesh ou a qualquer outro grupo terrorista e justifica as suas posses com as falsificações de cartões de crédito a que se foi dedicando nas últimas duas décadas. Quanto às acusações deste compatriota, diz que é uma vingança da sua parte por ele nunca ter alinhado nos negócios de tráfico de droga em que o outro o queria envolver.

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