Estado omite dados em contratos públicos. Protecção de Dados diz que “não faz sentido”

Parte dos contratos publicados no Portal Base estão a omitir dados como o nome do titular da empresa ou do responsável político que celebra o negócio para respeitar o novo regulamento da Protecção de Dados, mas a Comissão Nacional afasta a explicação e diz que “não faz sentido” omitir este tipo de informações.

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enric vives-rubio

Quando uma empresa celebra um contrato com o Estado, o documento que oficializa o negócio deve ser obrigatoriamente publicado no Portal dos Contratos Públicos, o Portal Base. Mas desde meados do último ano que a maioria das entidades do Estado que têm de fazer essa comunicação estão a omitir várias informações, nomeadamente os nomes dos envolvidos, divulga a TSF esta quinta-feira. A decisão estará a ser justificada com a aplicação do novo Regulamento Geral de Protecção de Dados.

Escreve a TSF que grande parte das instituições públicas, incluindo ministérios, como é o caso do Ministério da Justiça, e as autarquias de Lisboa, do Porto e de Sintra estão a rasurar dados pessoais, nomeadamente os nomes dos representantes das empresas. No caso de uma das autarquias, é até rasurado o nome da vereadora que celebra o contrato, ficando apenas exposto o seu cargo na Câmara Municipal de Sintra.

O mesmo acontece com empresas públicas como a Infraestruturas de Portugal e com direcções-gerais e tribunais. Mas não em todos os contratos. O PÚBLICO consultou alguns e verificou que existem vários documentos celebrados durante o último ano que mantêm visíveis todas as informações. As disparidades verificam-se até dentro das mesmas instituições. No Ministério da Defesa, por exemplo, existem contratos que nuns casos tapam os nomes dos envolvidos e outros em que não tapam nada.

À TSF, a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) diz que recorrer ao novo Regulamento Geral de Protecção de Dados, da forma como algumas entidades estão a recorrer, “não faz qualquer sentido”. “Naturalmente não faz qualquer sentido ‘tapar’ nomes ou cargos” nos contratos, diz fonte da Comissão Nacional de Protecção de Dados à TSF.

“Se assim fosse, o portal dos contratos públicos não teria grande utilidade. A protecção de dados pessoais é para ser levada a sério, mas não pode servir como desculpa para não publicitar informação necessária ao controlo democrático da actividade das entidades públicas”, afirma a fonte da TSF.

A Comissão Nacional de Protecção de Dados defende que em nome da transparência “têm de estar devidamente identificadas as partes do contrato, isto é, o nome do titular do órgão adjudicante, para garantir que contratou quem tinha competência para o efeito, o nome do adjudicatário se for pessoa singular, e o nome do representante do adjudicatário se for pessoa colectiva”, bem como as assinaturas.

A explicação para as disparidades entre as informações disponibilizadas nos contratos não é clara. Numa nota publicada no Portal Base, lê-se que “as entidades adjudicantes, antes de submeter os contratos no Portal BASE, devem expurgar todos os dados pessoais neles constantes, com excepção da identificação do contraente público e do cocontratante”. A nota é partilhada invocando o Regulamento (EU) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, que entrou em vigor no dia 25 de Maio de 2018, mas parece referir-se apenas aos “dados pessoais dos respectivos intervenientes (designadamente os relativos aos números de identificação civil e fiscal, ao estado civil e à residência”.

A falta de transparência destes contratos pode afectar a garantia de que não existe conflito de interesses, o que viola um dos princípios previstos no 1.º artigo do decreto-lei 18/2008. Nele lê-se que se considera “conflito de interesses qualquer situação em que o dirigente ou o trabalhador de uma entidade adjudicante ou de um prestador de serviços que age em nome da entidade adjudicante, que participe na preparação e na condução do procedimento de formação de contrato público ou que possa influenciar os resultados do mesmo, tem directa ou indirectamente um interesse financeiro, económico ou outro interesse pessoal susceptível” e que possa “comprometer a sua imparcialidade e independência no contexto do referido procedimento”. Ora, não estando completamente esclarecidas quais são todas as entidades envolvidas, não existe garantia de que os contratos públicos não são adjudicados a familiares ou próximos dos representantes políticos ou dos dirigentes da administração pública que celebrem o negócio.

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