Do nepotismo à corrupção

É obrigação política, ética e moral do Parlamento português a criação de uma lei que proíba o nepotismo na administração pública.

A origem do vocábulo nepotismo vem do latim: nepos, neto ou descendente. Já o conceito moderno, surge para designar relações de concessão de privilégios entre o Papa e seus familiares. Durante o período do Renascimento, alguns papas e outras autoridades da Igreja Católica, devido ao fato de não terem filhos, protegiam seus sobrinhos, nomeando-os para cargos importantes na administração da Igreja.

Atualmente, há também o chamado nepotismo cruzado, que consiste na nomeação por parte de um agente público de uma pessoa ligada a outro agente público, enquanto esta segunda autoridade nomeia uma pessoa ligada por vínculos de parentescos ao primeiro agente, como troca de favores, também entendido como designações recíprocas.

Infelizmente, ambas situações ainda se perpetuam na Administração Pública de diversos países, dentre eles Portugal.

De uma forma geral, tais atitudes são justificadas por quem as pratica devido à necessidade de escolher alguém de confiança cujo pensamento se enquadre melhor com os desejos da instituição. Esta necessidade de confiança é compreensível, diante da sensibilidade advinda do recorrente sobredimensionamento de qualquer deslize pelas redes sociais.

No entanto, se por um lado a confiança é essencial para o funcionamento das instituições, por outro lado aqueles que estão fora da rede clientelar tenderão a perder não só confiança nas instituições públicas como nas próprias regras da sociedade. Isto porque, se o nepotismo for prática recorrente no topo hierárquico da administração pública, tal prática será passada através da hierarquia para o resto da administração: hospitais, escolas, câmaras municipais e empresas do Estado, entre outros organismos estatais.

A mencionada falta de confiança no normal funcionamento das instituições é observável nos dados do barómetro 457 da Comissão Europeia intitulado Atitude das empresas face à corrupção na EU, que referem que 54% dos empresários portugueses consideram o patronato e o nepotismo um problema para os seus negócios, o que compara com uma média europeia de 38%.

Para além da falta de confiança, a Comissão Europeia publicou, em 2017, um estudo chamado Quality of Public Administration “Toolbox”, que, entre outros assuntos, trata das várias formas de corrupção na administração pública, entre elas o nepotismo. O relatório propõe várias medidas, das quais destacamos três:

A existência de um código de ética rígido, oferecendo como exemplo aquele dos funcionários públicos do Reino Unido;
A criação de organismos independentes para controlarem a aplicação do código ético, tal como a Comissão para os Padrões na Função Pública (“Standards in Public Office Commission”) da Irlanda;
A criação de um sistema meritocrático de recrutamento para a administração pública, como uma poderosa ferramenta de boa gestão na promoção da ética e no combate à corrupção.

Nota-se um duplo impacto negativo do nepotismo, ao gerar uma falta de confiança no normal funcionamento da economia, em especial quando as escolhas das autoridades públicas substituem a lógica do mérito profissional pela do compadrio, mas também ao impactar negativamente na substituição da competência técnica pelos laços de parentesco gera empobrecimento do pensamento crítico e a capacidade de inovação das instituições cooptadas pelas relações familiares.

No Brasil a incapacidade do Legislativo de chegar a um consenso levou o Supremo Tribunal Federal a decidir pela proibição da nomeação de familiares com base nos princípios republicanos da moralidade, impessoalidade, igualdade e eficiência da administração pública previstos no artigo 37 da Constituição Federal brasileira criando uma súmula vinculante com o seguinte conteúdo:

A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal. 

O modelo brasileiro para impedir tais desvios na administração pública demonstrou que se o Legislativo não legisla o judiciário deve cumprir o seu papel institucional de garantia dos princípios gerais de ética e moralidade no trato da coisa pública, que no caso português estão previstos tanto na Constituição como na lei.

Como exemplo podemos citar o artigo 3º do estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado (Lei 4 de 2004), que obriga a Administração Pública ser norteada pela eficácia (art. 3, 1), pela eficiência (art. 3, 6) e pelo interesse público (art. 3, 8). O âmbito constitucional, por sua vez, oferece guarida ao tema, sobretudo do princípio fundamental da igualdade, previsto no art. 13; da responsabilidade das entidades públicas, prevista no artigo 22 e da promoção do desenvolvimento económico-social e da satisfação das necessidades coletivas constantes do art. 199, g.

Em resumo, é obrigação política, ética e moral do Parlamento português a criação de uma lei que proíba o nepotismo na administração pública. Além disto, é igualmente um dever jurídico-constitucional do Tribunal Constitucional declarar a inconstitucionalidade de tais nomeações que atendem interesses privados, desvirtuando o real sentido dos princípios da igualdade, eficiência e interesse público. Ou então, como bem disse o Presidente da República: “se entendem que não devem legislar, no futuro, indignem-se menos”.

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