Assange: a história de uma detenção anunciada, depois dos elogios de Donald Trump

Em 2016, o então candidato do Partido Republicano elogiou a WikiLeaks em público em várias ocasiões. Mas a divulgação de segredos da CIA, em Março de 2017, irritou Mike Pompeo e selou o destino de Assange.

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Julian Assange, depois de ser detido pela polícia britânica HENRY NICHOLLS/Reuters

Em menos de três anos, as declarações de amor que Donald Trump fez à WikiLeaks, em plena campanha eleitoral para a presidência dos EUA, transformaram-se num pesadelo para o fundador da organização, Julian Assange. Esta quinta-feira, ao fim de quase sete anos de asilo na embaixada do Equador em Londres, o australiano que vive entre a imagem do incansável lutador pela liberdade de expressão e o rótulo de perigoso rebelde antiamericano, foi arrastado para a rua por agentes da polícia britânica e recebeu duas ordens de detenção – e uma delas pode vir a resultar na sua extradição para os EUA.

À saída da embaixada, um Assange de aspecto envelhecido nos seus 47 anos parecia tentar resistir aos polícias. Numa das mãos, levava uma mensagem que falava por ele: um livro do escritor norte-americano Gore Vidal, conhecido por definir os EUA como um império onde a “velha república americana” foi substituída por “um estado de segurança nacional”.

A detenção de Assange era esperada a qualquer momento desde a semana passada, depois de um representante do Governo do Equador ter dito à WikiLeaks que o australiano iria ser expulso da embaixada “numa questão de dias”, e que já havia acordo para a sua detenção.

Segundo a Polícia Metropolitana de Londres, essa detenção aconteceu depois de os agentes terem sido “convidados” a entrar na embaixada pelo embaixador, que tinha acabado de anular o direito a asilo concedido a Assange em 2012.

EUA pedem extradição

Já na rua, Assange foi detido por violação das condições de liberdade sob fiança, em 2012, quando se refugiou na embaixada do Equador após os tribunais terem decidido que deveria ser extraditado para a Suécia. Por essa altura, era procurado na Suécia para responder a acusações de abusos sexuais, e temia ser extraditado para os EUA assim que chegasse ao país nórdico.

Nos sete anos seguintes, foi conseguindo resistir às tentativas do Reino Unido para o extraditar. Até agora: esta quinta-feira, depois de ter sido detido por violação da liberdade condicional, recebeu uma outra ordem de detenção, a pedido dos EUA, por “conspiração para entrar num computador confidencial do Governo americano”. No mesmo processo, os EUA pedem a extradição de Assange.

Vai ficar detido pelo menos até 2 de Maio, dia em que conhecerá a sentença por violação da liberdade condicional em 2012 (um crime menor, punível com multa ou até um ano de prisão).

Acusação feita há um ano

Há muito que se especulava sobre a existência de uma acusação nos EUA contra Assange, que as autoridades nunca confirmaram. Em Novembro de 2018, foi revelado um documento de acusação do Departamento de Justiça com o nome de Assange, mas relacionado com um caso diferente – na altura, admitiu-se que um erro de cópia tinha acabado por confirmar que havia mesmo uma acusação contra Assange.

Esta quinta-feira, soube-se que a acusação foi finalizada há mais de um ano, a 6 de Março de 2018.

“A acusação alega que, em Março de 2010, Assange participou numa conspiração com Chelsea Manning, uma antiga analista de informação no Exército dos EUA, para ajudá-la a decifrar uma palavra-passe de um computador classificado do Departamento de Defesa”, lê-se no documento de acusação.

Chelsea Manning – na altura conhecida como Bradley Manningesteve sete anos na prisão por violação da Lei de Espionagem. Foi Manning quem, em 2010, pôs a WikiLeaks debaixo dos radares ao entregar à organização centenas de milhares de documentos, entre comunicações diplomáticas e registos de possíveis crimes de guerra cometidos por militares norte-americanos no Iraque e no Afeganistão.

Julian Assange e os seus defensores dizem que a WikiLeaks é uma empresa de media, que deve ser tratada como qualquer outra publicação reconhecida pelo seu trabalho jornalístico – e não como uma organização apostada em prejudicar os EUA, como defende o Departamento de Estado norte-americano sob a liderança de Mike Pompeo.

A advogada de Assange sublinhou isso mesmo esta quinta-feira, ao dizer que a detenção “estabelece um precedente para que qualquer jornalista possa ser extraditado para os EUA por publicar informação verdadeira sobre os EUA”.

De Trump a Pompeo

Mas a forma como Assange e a sua WikiLeaks são vistos a partir de Washington nem sempre foi igual.

No tempo do Presidente Obama, as autoridades desejavam capturar Assange, mas chegaram à conclusão de que era arriscado acusar uma organização que podia ser equiparada a uma empresa de media, abrindo um precedente para futuras acusações contra jornais em relação aos quais não há dúvidas sobre as suas intenções.

Com a chegada de Donald Trump ao palco da política norte-americana, houve duas fases distintas.

Primeiro, um período de admiração, no auge da campanha de 2016, que chegou a ser visto como um sinal de que um Presidente Trump poderia vir a perdoar Assange; depois, em Março de 2017, com Trump já na Casa Branca, houve uma mudança que culminou com a detenção desta quinta-feira.

Nesse mês, a WikiLeaks revelou um conjunto de documentos conhecido como Vault 7 – os detalhes da capacidade da CIA para fazer vigilância electrónica e ciberguerra. Nessa altura, o director da CIA era Mike Pompeo, o homem que declararia guerra a Assange e que viria a ser fundamental para a detenção desta quinta-feira, quase um ano depois de ter visto os seus poderes ampliados com a nomeação para secretário de Estado.

Mas em 2016, tudo era diferente – e até Pompeo, então um congressista do Partido Republicano, dizia que as revelações da WikiLeaks deviam levar ao afastamento de Hillary Clinton da campanha e provavam que o Partido Democrata estava a prejudicar o candidato Bernie Sanders.

“WikiLeaks, eu amo a WikiLeaks!”, disse o então candidato do Partido Republicano à Casa Branca, Donald Trump, num comício em Outubro de 2016, a pouco menos de um mês do dia das eleições presidenciais.

Nesse curto período, Trump referiu-se à WikiLeaks pelo menos 164 vezes, de acordo com um levantamento feito pelo site de notícias Think Progress.

Entre Julho e Novembro do ano anterior, a organização criada por Assange em 2006 tinha revelado uma torrente de e-mails do Partido Democrata e do então director de campanha da candidata Hillary Clinton, John Podesta – que indicavam que o partido estaria a beneficiar Clinton em detrimento do candidato mais progressista, Bernie Sanders.

Por essa altura, ainda sob a Presidência Obama, já os serviços secretos diziam que a WikiLeaks tinha recebido aqueles e outros documentos de agentes russos. Uma acusação que seria formalizada pelo procurador especial Robert Mueller, no meio da investigação sobre as suspeitas de conspiração entre a campanha de Trump e a Rússia. Em Julho de 2018, Mueller acusou 12 agentes russos de passarem documentos a uma “Organização 1”, identificada pelos jornais norte-americanos como sendo a WikiLeaks.

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