Europeias: não são eleições de segunda ordem

É cedo para sabermos o resultado desta iniciativa, mas uma coisa é certa: o populismo passou das margens para o centro do sistema político.

A extrema-direita populista reuniu-se, na segunda-feira, em Milão, e anunciou a formação de uma aliança pós-eleitoral para o futuro Parlamento Europeu. Os populistas europeus estão, hoje, divididos por vários partidos nacionalistas e eurocépticos e, mais do que isso, integrados em diferentes famílias políticas e grupos parlamentares: o da Europa das Nações e da Liberdade; o da Europa da Liberdade e da Democracia Directa; e o dos Reformistas e Conservadores Europeus; além do Fidesz de Viktor Orbán, que, ​embora suspenso, continua a fazer parte do Partido Popular Europeu. Ora, o objectivo de uma tal aliança é obvio: unir as forças dispersas, criar uma frente unitária e um forte grupo parlamentar no Parlamento Europeu.

É obvio, mas não é fácil. Primeiro, porque parece uma contradição em si. Mas é mesmo disso o que se trata: de uma internacional nacionalista. Depois, porque apesar dos apoios de peso e da vontade que os une, é, ainda, muito o que os separa. Apoios não lhes faltam. Daqueles que são contra a Europa e querem enfraquecer a União Europeia: não faltou o conselho político de Steve Bannon, o estratego de Trump, nem faltará apoio financeiro de Putin, ao que diz a imprensa, por portas travessas de uma empresa petrolífera russa. Em comum têm o soberanismo antieuropeu e a defesa identitária contra o multiculturalismo. Isto é, são contra a integração europeia e contra a imigração.

Mas isso não é tudo e há também questões que os dividem. Na economia, enquanto a Alternativa para a Alemanha e os populistas nórdicos defendem o livre comércio e o liberalismo económico, o Reagrupamento Nacional de Marine Le Pen tende a afirmar o papel do Estado e do proteccionismo. No que respeita à religião, enquanto o Partido da Lei e da Justiça de Kaczynsky na Polónia, o Fidesz de Orbán na Hungria ou a Liga Norte de Salvini em Itália defendem a supremacia das raízes cristãs da civilização europeia, Le Pen tende a afirmar o secularismo. E na gestão da própria imigração e do asilo, enquanto Salvini reclama maior responsabilidade europeia, os seus aliados da Europa central e de leste querem fechar todas fronteiras. A maior fractura, porém, é a relação com a Rússia. Entre Le Pen e Salvini, que nunca esconderam a admiração pelo nacionalismo autoritário de Putin e querem uma aproximação à Rússia, e os seus aliados da Polónia e da Hungria, que guardam ainda a memória soviética e não querem nem ouvir falar disso. 

É cedo para sabermos o resultado desta iniciativa, mas independentemente do sucesso ou insucesso de tal aliança, uma coisa é certa e deve ser tomada a sério: o populismo passou das margens para o centro do sistema político. Os populistas que há 20 anos representavam 12 milhões de europeus representam, hoje, 170 milhões. De acordo com um estudo do Guardian, passaram de 7% para 25% dos votos dos eleitores europeus. Isto é, um quarto do eleitorado. No plano nacional, estão no governo em vários países europeus e noutros entre os principais partidos da oposição. No plano europeu, condicionam as agendas políticas dos partidos tradicionais que, para evitar a fuga dos eleitores, acabam por radicalizar as posições nos temas populistas como a imigração e a segurança.

Mas o mais importante joga-se nas próximas europeias. A composição do futuro Parlamento será decisiva. Porque no sistema de co-decisão, que é o do processo europeu, basta um terço dos deputados para bloquear decisões políticas da maior importância. Ora, o sucesso de uma coligação populista que obtenha o necessário terço pode paralisar o processo europeu. Seja esta internacional nacionalista, à direita, ou outra qualquer coligação entre esquerda e direita populistas, tradução à escala europeia do modelo actual do Governo italiano. Os populistas no poder têm sabido usar os mecanismos democráticos para subverter a democracia liberal. Não hesitarão em usar as instituições europeias para subverter a integração europeia. É por isso que as próximas eleições europeias não são de segunda ordem. E exigem todo o empenho dos defensores da democracia liberal europeia. Primeiro, reconhecendo que os problemas levantados pelos populistas são problemas reais sentidos pelas populações que se sentem cada vez menos representadas pelos partidos tradicionais. Segundo, e por isso mesmo, assumindo que a Europa precisa menos de soluções tecnocráticas de governabilidade e mais soluções democráticas de participação e representação.

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