Narendra Modi vai a “julgamento” e há 900 milhões de juízes

As eleições legislativas indianas começam esta quinta-feira e prolongam-se até ao fim de Maio. A economia não jogou a favor de Modi, mas a tensão com o Paquistão poderá ser decisiva.

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Há cinco anos, Modi conseguiu uma maioria absoluta, algo que não acontecia desde 1984 AMIT DAVE/Reuters

Os indianos começam esta quinta-feira a votar nas eleições legislativas que são o maior exercício democrático da História. Vão ser 40 dias de eleições no segundo país mais populoso do mundo, ao longo dos quais perto de 900 milhões de pessoas, um oitavo da Humanidade, vão fazer as suas escolhas para o novo Parlamento indiano. As eleições estão a ser interpretadas como um referendo ao primeiro-ministro Narendra Modi, o mais poderoso e controverso líder indiano das últimas décadas.

Num país com as proporções gigantescas da Índia – marcado por diferenças regionais profundas, onde a religião, os costumes, o estatuto social e até a língua podem variar radicalmente – seria sempre difícil tentar perceber o que motiva os eleitores. A própria tarefa de realizar sondagens minimamente fiáveis revela-se geralmente uma missão quase impossível: nas últimas três eleições, nenhuma sondagem conseguiu antever com exactidão os resultados finais.

“A verdade é que não temos uma teoria do voto, não sabemos por que é que os indianos votam da forma como votam. Quem me dera que soubéssemos”, dizia ao Guardian o professor da Universidade de Berkeley, Pradeep Chhibber, reconhecendo as dificuldades até para os especialistas.

Também para os partidos políticos a grande heterogeneidade da Índia é um desafio. O Partido Bharatiya Janata (BJP), por exemplo, defende a proibição do abate de vacas em regiões de maioria hindu, enquanto numa região maioritariamente cristã, membros do partido têm prometido melhorar a qualidade da carne bovina, explica o The Guardian.

Porém, há um nome que centraliza as atenções de eleitores, analistas, e políticos: Narendra Modi, o controverso primeiro-ministro que em 2014 conduziu o BJP a uma vitória retumbante, com uma maioria absoluta, algo que não acontecia há 30 anos. As eleições são “indubitavelmente um referendo a Modi, são umas eleições com um estilo muito presidencial”, disse ao Financial Times o director do Centro da Ásia Contemporânea da Universidade de Brown (EUA), Ashutosh Varshney.

Balanço misto

O balanço do seu primeiro mandato suscita sentimentos ambivalentes, conforme o prisma em que é avaliado. Modi foi eleito em 2014 com a promessa de trazer prosperidade económica aos indianos, muito emprego, boas condições de vida, e também colocar a Índia mais próxima do patamar das grandes potências. Esperava-se que o sucesso do modelo aplicado no estado do Gujarat, onde foi ministro-chefe durante 13 anos, pudesse ser replicado a nível nacional.

Para muitas comunidades, o Governo de Modi é associado a melhores estradas, à introdução de casas de banho em casas que nunca as tiveram, a reduções nos preços de gás e à introdução de um esquema de seguros de saúde que abrange 500 milhões de famílias pobres – o maior do género a nível mundial.

No entanto, o desemprego tem disparado nos últimos anos, afectando sobretudo os milhões de jovens que procuram o primeiro emprego. Um relatório que o Governo tentou manter secreto, mas que acabou por ser revelado por um jornal em Janeiro, mostrava que o desemprego estava nos 6,1%, o valor mais elevado dos últimos 40 anos. A competição por um emprego no Estado é profunda: no ano passado, houve mais de vinte milhões de candidaturas a 63 mil lugares abertos na empresa de caminhos-de-ferro, segundo a BBC.

O falhanço das políticas governamentais talvez tenha sido mais sentido durante o caótico processo de retirada das notas de maior circulação, no final de 2016. A corrida aos bancos durou meses e dezenas de pessoas morreram, muitas das quais depois de estarem em filas horas a fio ao calor, mal alimentadas, e sem água. Para completar o quadro de más notícias, a queda dos preços dos produtos agrícolas afundou milhões de agricultores – que ainda representam a maioria da população activa – ainda mais na pobreza.

Emoções nacionalistas

As derrotas do BJP nas eleições regionais em três estados onde tinha bons índices de popularidade, em Dezembro, levaram muitos observadores a antecipar um mau resultado para Modi meses depois. Mas Modi não é apenas um bom gestor. A sua eleição significou também a chegada ao poder de um dos expoentes máximos do nacionalismo hindu, depois de décadas de domínio da política nacional pela dinastia Nehru-Gandhi, defensora de um Estado laico e de uma sociedade multicultural.

A 14 de Fevereiro, um atentado terrorista na zona de Caxemira administrada pela Índia causou a morte a 40 polícias indianos, num dos ataques mais mortíferos deste género nos últimos anos. Dias depois, Modi deu ordem à Força Aérea para bombardear um campo de treino no Paquistão, que segundo Nova Deli é usado por terroristas, elevando para novos níveis a tensão entre os dois países.

Recuos estratégicos de ambos os lados evitaram a eclosão de um conflito aberto entre as duas potências nucleares, mas desde então a segurança nacional passou a dominar o discurso público, favorecendo Modi – o primeiro-ministro acrescentou o epíteto chowkidar (qualquer coisa como vigilante) ao seu nome no Twitter. “A segurança nacional essencialmente dá a um líder a oportunidade para demonstrar determinação e prontidão”, afirmou Varshney.

Só a 23 de Maio é que os resultados destas eleições maciças serão conhecidos e, até lá, muito ainda pode acontecer para definir o voto dos 900 milhões de indianos. As sondagens apontam para uma vitória do BJP, que tem no partido do Congresso liderado por Rahul Gandhi o principal adversário, mas insuficiente para repetir a maioria absoluta de há cinco anos.

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