Núcleo de alunos do ISCTE retira boneco negro que dizia “bate-me agora”

No evento organizado pelo Núcleo de Alunos de Marketing do ISCTE uma empresa colocou um boneco para ser espancado e “aliviar o stress”. Nega que boneco seja originalmente negro. Director da Licenciatura em Gestão de Marketing pede desculpa no final do evento.

A imagem que provocou polémica
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A imagem que provocou polémica DR
A imagem que a empresa enviou do boneco
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A imagem que a empresa enviou do boneco DR
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A foto partilhada na manhã de ontem no ISCTE DR

O boneco tem um casaco preto e uma t-shirt vermelha por baixo, representa uma figura negra, e tem inscrito em inglês: “Bate-me agora”. Em baixo está um bastão para ser usado. Foi colocado nas instalações do ISCTE-IUL pela Smash it Room, uma empresa de marketing “emocional” focada em formas de as pessoas “aliviarem o stress” partindo coisas ou batendo no tal boneco, no âmbito das jornadas de marketing, organizado pelo Núcleo de Alunos de Marketing (NAMI) do ISCTE. Depois de ter gerado polémica os alunos retiram-no, afirmou o departamento de comunicação e imagem do ISCTE.

No final do evento esta tarde, José Pedro Dionísio, director da Licenciatura em Gestão de Marketing, fez um pedido de desculpas: “Não nos revemos em situações de violência contra pessoas. Esta situação poder ser interpretada desta maneira e isso não está de acordo com os valores do ISCTE.” António Gonçalves, presidente do NAMI, referiu depois: “Acreditamos que tudo não passou de um mal-entendido”. 

A empresa Smash it, criada em Outubro do ano passado, disse ao PÚBLICO que o boneco “não é negro”: “É um boneco de artes marciais que, devido ao uso e ao facto de as pessoas partirem coisas – o que fazemos é aliviar o stress de forma lúdica – e de tanto ter apanhado ficou com esta cor. Se fosse branco também poderia ser acusado da mesma coisa”, afirmou César Lemos, sócio gerente, que enviou uma foto. “A nossa resposta é que é um boneco, não é uma pessoa, a pessoa vê nele o que quiser, se quiser ver uma pessoa asiática, vê uma pessoa asiática.”

Referindo o facto de o boneco “mudar de cor”, José Pedro Dionísio comentou na sua intervenção: “De maneira nenhuma nos revemos em comportamentos do tipo racista.”

Também a direcção de comunicação do ISCTE afirma que o boneco “era branco ontem [segunda-feira] de manhã quando o evento começou”. “O que aconteceu é que “eventualmente, as tintas, nomeadamente do cabelo, através do martelo terão borrado o boneco todo”.

A denúncia começou na segunda-feira ao início da noite no mural de um aluno, André Castro Soares, onde escreveu, com uma fotografia do boneco: “O ISCTE-IUL acolhe todo o tipo de eventos para ganhar uns extras e no meio há empresas que promovem actividades cujo o lema é a violência racista”.

Vanessa Amorim, aluna do CRIA que estava com a pessoa que tirou a fotografia, diz que a figura estava coberta de tinta preta e que isso não parecia ser das pancadas mas pintado propositadamente. “Ontem de manhã a empresa partilhou uma publicação no Instagram em que o boneco já estava negro”, diz ao PÚBLICO. Consultado o Instagram da empresa, confirma-se que o boneco já estava pintado de negro na manhã de ontem, quando começou o evento (ver foto em cima). “Não me surpreendeu dado que o racismo em Portugal é evidente mas as pessoas nem sequer pararam para pensar que o boneco é negro, além do acto de violência...”.

André Soares explica que tomou conhecimento através de um post onde se partilhava a imagem na rede de doutorandos do CRIA, da qual faz parte. “Não faz sentido uma universidade ter uma figura humana em quem se bate. E dizer que o boneco vai ficando negro [com a pancada] ainda é pior, incita à violência racista”, afirma ao PÚBLICO.

Numa publicação no Facebook na tarde desta terça-feira, o antropólogo Miguel Vale de Almeida, docente daquela faculdade, afirmou. “Isto é pura e simplesmente inaceitável. Tanto os organizadores do evento (Marketing Journeys, organizado pelos estudantes da área), quanto a empresa (Smash It Room) que lhes forneceu objectos para alívio do stress (ou lá o que é) demonstram uma escolha ou ignorância inadmissíveis. Ainda ontem, num outro evento, o Academia, que recebe alunos do 12º ano, os vários departamentos de ciências sociais apresentaram como as diferentes disciplinas ajudam no combate ao racismo. Esse, sim, um tema que honra o ISCTE.”

Contactada ao início da tarde, a reitora do ISCTE, Maria de Lourdes Rodrigues, afirmou que estava no Porto e que não tinha visto o boneco. “Já pedi aos colegas do departamento de marketing que se inteirassem do assunto. Recebi um email de um dos nosso colegas depois das 14h, mas não tive condições de me inteirar. Haja o que houver as responsabilidades serão apuradas. O ISCTE é uma escola plural e democrática e são esses princípios que orientam a nossa acção. As práticas de racismo são condenadas na nossa escola.”

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