Ex-motorista de Sócrates diz que Carlos Santos Silva lhe trazia dinheiro “todas as semanas”

João Perna diz ter tido receio de questionar o antigo primeiro-ministro sobre estas quantias, garantindo que apenas se limitou a cumprir ordens.

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José Sócrates na chegada ao DCIAP para interrogatório Miguel Manso/arquivo

O ex-motorista de José Sócrates, João Perna, que começou a trabalhar para o antigo primeiro-ministro em 2011, afirma que Carlos Santos Silva fazia entregas de dinheiro “todas as semanas”. Perna refere ainda ter tido receio de questionar o ex-patrão sobre estas quantias, garantindo que apenas se limitou a cumprir ordens.

“Acha que eu ia confrontar o homem a perguntar-lhe: ‘Ó senhor engenheiro, onde é que foi buscar este dinheiro e a que pretexto é que você me vai transferir dinheiro para a minha conta’”, questionou Perna, em entrevista ao Correio da Manhã, publicada na edição desta terça-feira.

Porém, o antigo motorista de Sócrates diz não duvidar que o dinheiro entregue por Carlos Santos Silva pertencia, na verdade, ao antigo primeiro-ministro. “Eu sabia que o Carlos lhe trazia [dinheiro] todas as semanas, porque ele não se dirigia a lado nenhum”, referiu o antigo motorista.

O ex-motorista, que vive no Samouco (Alcochete), assegura que não guardava o dinheiro de Sócrates e que era apenas um intermediário. “Eu dizia-lhe: ‘Senhor engenheiro, eu preciso de dinheiro para pagar a despesa do tabaco e dos jornais no quiosque’. Ele respondia: ‘Eu agora não tenho, não tenho’. Mais tarde, o Dr. Carlos chegava, entrava, ia lá acima. Mal o Carlos saía, ele [Sócrates] chamava-me lá acima. ‘João, vai lá pagar a despesa’”, lembra ao Correio da Manhã.

Questionado sobre o facto de ter admitido, no segundo interrogatório, que só fazia “recolha de envelopes”, o ex-motorista afirmou que “os envelopes eram coisas insignificantes”. “Estamos a falar de dois mil euros. Porque o Carlos ia lá todas as semanas ter com ele. E o Carlos, se tivesse de entregar, entregava pessoalmente. Não era eu”, afirma.

João Perna, que está acusado de branqueamento de capitais e de posse de arma ilegal no âmbito da Operação Marquês, assegura que apenas se limitava a cumprir ordens. “Era o primeiro-ministro. Eu ia lá meter em questão alguma coisa? Em três anos com aquele homem, eu chegava de manhã e dizia-lhe bom dia. A resposta era: ‘João, traz-me dois cafés’. Ao fim da noite, dizia-lhe: ‘Até amanhã, senhor engenheiro”. Ele dizia: ‘Amanhã, esteja cá às nove’. O meu crime foi levantar-me todos os dias para ir trabalhar para aquele homem. Esse é que foi o meu verdadeiro crime”, diz.

Além de motorista, João Perna estaria encarregue de pagar as contas do primeiro-ministro e lembra, em declarações ao Correio da Manhã, que Sócrates “rebentava com o dinheiro todo com a vida que tinha” e que “emprestava também muito dinheiro”.

O ex-motorista, que acabou por ser detido e se encontra actualmente no desemprego, sublinha a sua inocência e garante que foi “arrastado nesta situação”. “Nunca meti em causa que aquela pessoa estivesse a mandar-me cometer algum crime”, acrescenta.

Agora, João Perna — que assegura nunca mais ter entrado em contacto com José Sócrates e diz estar arrependido de não ter pedido a abertura da fase de instrução do processo Marquês —, duvida da inocência do ex-patrão: “Sinceramente, não sei. Há ali qualquer coisa. O Carlos entrega-lhe dinheiro e ele não ia ao banco. Isto é muito à frente”.

“Eu fui atirado aos lobos e, até hoje, não se dignou a perguntar se eu tinha dinheiro para comer. Se a minha família estava bem ou se eu estava bem”, conclui.

O antigo primeiro-ministro José Sócrates está acusado de 31 crimes, entre os quais corrupção, enquanto Carlos Santos Sinta está acusado de 33 crimes.

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