Segredos do Governo não são segredos de Estado

O PÚBLICO tem neste momento várias acções em que exige ao poder político uma cabal prestação de contas sobre matérias que têm de chegar a conhecimento de todos.

Faz pouco sentido colar a pressa que o CDS e o PSD manifestaram em questionar no Parlamento o ministro Eduardo Cabrita sobre os segredos dos incêndios de 2017 à época de pré-campanha eleitoral em curso. É normal que a oposição pegue em tudo o que mexa para perturbar o Governo, mas essa banalidade não deve servir para que o país desvalorize aquilo que está em causa: uma abusiva recusa de um ministro em fornecer à imprensa, no caso ao PÚBLICO, informação relevante para que todos os cidadãos fiquem a saber a fundo o que se passou nesses meses trágicos do Verão e do Outono de há dois anos.

Se depois de uma longa batalha judicial sustentada por pareceres da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) e validada pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa (ainda passível de recurso) o Governo é intimado a fornecer as informações pedidas pelo PÚBLICO é porque se confirmaram dois princípios de relevante interesse público: o do direito dos cidadãos a ser informados e o dever do poder político em prestar contas sobre o exercício das suas funções.

Custa a crer como um ministro insuspeito das suas credenciais democráticas, experiente e sem mácula conhecida no exercício das suas prerrogativas públicas cai na tentação de recusar a divulgação de um relatório interno da Autoridade Nacional da Protecção Civil e em revelar com detalhe as falhas do SIRESP. Não se vislumbrando nestes documentos qualquer ameaça à segurança do Estado e dos cidadãos, estando em causa uma avaliação das causas do maior trauma nacional das últimas décadas, não se entende a fundamentação da recusa sob o ponto de vista do direito.

A recusa do ministério de Eduardo Cabrita tem por isso uma única explicação: a de esconder dados eventualmente problemáticos e atentatórios da forma como o Governo e o Estado geriram a questão dos fogos.

A história ainda não acabou — vai continuar certamente nos tribunais e no Parlamento —, mas serve desde já para sublinhar uma tendência preocupante que se tem vindo a agravar de Governo para Governo: a tentação do poder em criar um tapume opaco em torno da sua acção, evitando desta forma o escrutínio dos cidadãos sobre os seus actos.

O PÚBLICO tem neste momento várias acções em que exige ao poder político uma cabal prestação de contas sobre matérias que têm de chegar a conhecimento de todos. Não abdicamos do nosso papel na sociedade. E, como se confirmou neste caso, podemos contar com a independência dos tribunais, a quem compete aplicar a lei, para decidir quem tem razão.

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