Argelinos saem à rua após anúncio de líder do Senado para presidente interino

Protestos contra a escolha de um responsável próximo de Bouteflika, que se demitiu na semana passada após 20 anos no poder.

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"Bensalah, não serve", diz o cartaz de uma manifestante em Argel RAMZI BOUDINA/Reuters

O Parlamento argelino confirmou ontem que a presidência interina do país vai ser ocupada pelo presidente do Senado, Abdelkader Bensalah – uma solução de acordo com a Constituição, mas aquém do que pediam os manifestantes que há semanas e semanas saem à rua.

“Pretendo trabalhar para concretizar os interesses do povo”, disse Bensalah, 77 anos, citado pela AFP, ao Parlamento. “É uma grande responsabilidade que a Constituição requer de mim.”

A Constituição dá um máximo de 90 dias no cargo a quem o ocupe interinamente para preparar novas eleições presidenciais.

Mal foi conhecida a decisão, manifestantes saíram de novo à rua, gritando “Bensalah rua”. Durante meses, multidões pediam a demissão do então Presidente, Abdelaziz Bouteflika, e depois do fim do “sistema”, que inclui os chamados “3B”: Além de Abdelkader Bensalah, querem o afastamento do líder do Conselho Constitucional, Tayeb Belaiz, e do primeiro-ministro, Noureddine Bedoui, nomeado por Bouteflika antes de se afastar.

Os manifestantes exigem instituições provisórias no período até às eleições e não que sejam figuras ligadas ao sistema a liderar a transição.

O “sistema” não cedeu – se os manifestantes conseguiram a primeira etapa, a demissão de um Presidente incapaz já há muito, que ficou conhecido como o “Presidente numa moldura” por aparecer apenas o seu retrato nas cerimónias oficiais, o verdadeiro confronto começa agora, com o regime a manter a responsabilidade na organização das eleições.

Ontem, a polícia reagiu com gás lacrimogéneo e canhões de água contra os manifestantes.

Bouteflika, 82 anos, afastou-se na semana passada. Estava no poder há 20 anos e já antes da última eleição tinha sofrido um AVC (acidente vascular cerebral). Desde então raras vezes era visto em público e quando estava presente, não falava. Quando foi apresentado como candidato para eleições marcadas para Abril, muitos argelinos sentiram isto como uma humilhação e saíram à rua em protestos.

O regime argumentou com o perigo islamista e trouxe o fantasma da instabilidade (da chamada “década negra”, de 1992 a 2002, de guerra civil entre o Governo e vários grupos islamistas deixou entre 100 e 200 mil mortos e ainda 20 mil desaparecidos). Mas os manifestantes, gritando sempre “pacíficos, pacíficos”, não desistiram.

Mas se no início dos protestos parecia que esta reivindicação era impossível – ao registar o candidato Bouteflika, o seu director de campanha disse mesmo que ele era “o único” que conseguiria alternância entre gerações – os manifestantes ganharam ânimo e querem mesmo o fim do que chamam “o poder”, ou o sistema, que esteve por trás de Bouteflika.

Este sistema é tão complexo que mesmo analistas que se dedicam ao estudo do país não sabem quem são os actores, mas apenas que tem sido mantido por equilíbrios delicados entre vários poderes que ganharam, todos, com o regime – e que têm agora, todos, muito a perder. Entre esses poderes estão burocratas do partido de Bouteflika, a Frente de Liberação Nacional (FNL), líderes políticos, grandes empresários, e os militares: a Argélia tem o segundo mais poderoso exército da região, logo a seguir ao Egipto. 

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