Não, não é verdade que usemos apenas 10% do cérebro no dia-a-dia

O médico e professor da Faculdade de Medicina de Lisboa António Vaz Carneiro desmonta cinco dezenas de mitos e crenças num livro que esta quinta-feira vai ser lançado.

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Desiludam-se os mais crentes. Nem a ingestão de açúcar provoca hiperactividade nas crianças, nem comer laranja à noite faz mal. Também cai por terra a ideia de que no dia-a-dia usamos apenas 10% do nosso cérebro. É extenso o rol de mitos e crenças que António Vaz Carneiro contraria com provas científicas no livro Mitos e Crenças na Saúde.

Comecemos por utilizar o cérebro. A afirmação de que só o usamos em 10% no dia-a-dia "provoca uma sensação de maravilha e encantamento, quando pensamos no que os outros 90% estarão a fazer...”, escreve António Vaz Carneiro. Infelizmente, lembra, “os estudos demonstram conclusivamente que todo o cérebro está permanentemente em actividade”. Este facto é, aliás, “confirmado pelos neurocirurgiões que, quando operam o cérebro, testam directamente a actividade deste e nunca encontram áreas em silêncio”.​ 

Outro dos mitos mais populares e que tem posto muita gente a acelerar nas passadeiras dos ginásios é o de que o exercício físico faz perder peso. Por si só, não faz, sentencia o médico. Fazer exercício físico melhora a função cardiovascular, mas, isoladamente, não chega para fazer perder peso. “O exercício físico é fundamental, é componente de uma vida saudável indiscutível, mas para perder peso o que conta é a dieta”, afirma. A excepção são os atletas profissionais, que fazem exercício físico quatro ou cinco horas por dia. Vaz Carneiro, que vai ao ginásio e joga ténis todas as semanas, é peremptório: se isolado, sem dieta hipocalórica, o exercício físico “tem um efeito pratica­mente negligenciável em termos de perda de peso”.

Também não faz sentido que uma pessoa beba, por sistema, dois litros de água por dia. As pessoas, em geral, não têm nada que beber água a mais, porque têm um “mecanismo fisiológico muitíssimo apurado, quando estão desidratadas”, a sede. “Há excepções, os bebés e idosos, tal como as pessoas que estão a fazer medicamentos que alteram o mecanismo da sede”. De resto, “bebemos exactamente o que precisamos”. “Se beber mais dois litros o que estou a fazer é urinar isso tudo, estou a hidratar a sanita”, ironiza o médico. Por isso, se não tiver sede, não se preocupe, não beba, recomenda. 

Até o ditado popular “a laranja de manhã é ouro, à tarde é prata e à noite mata!” não escapa ao escrutínio do médico. Fisiologicamente falando, frisa, “não faz qualquer sentido afirmar que a altura do dia em que se come laranjas influencia o seu efeito sobre o organismo”. Desmonta igualmente a crença fortemente enraizada de que o nascimento dos dentes nos bebés provoca febre. É, avisa mesmo, o exemplo de uma crença que pode ser “perigosa”. Porquê? Porque pode “atrasar o tratamento de uma situação clinicamente importante para a criança”. O que Vaz Carneiro aconselha é que, se o bebé tiver febre, os pais não a devem atribuir aos dentes e “devem sim manter-se alerta a outros sintomas que possam significar uma doença grave”.

Comporta igualmente riscos o mito de que pôr manteiga nas queimaduras é bom e que se baseia na crença de que a gordura diminui a dor e ajuda à cicatrização mais rápida. “Totalmente falso”, sublinha o médico. Pelo contrário, “a gordura tem efeitos prejudiciais, já que mantém elevada a temperatura da pele, facilita a infecção secundária e até aumenta a dor local”. Qual é a melhor forma de tratar, então? É “arrefecer a pele deixando correr um pouco de água tépida, limpar a queimadura só com água e deixá-la ao ar, sem estar coberta com pensos”.

Outro mito que cai por terra é o de que o uso de suplementos vitamínicos contribui para diminuir a mortalidade. “Hoje existe evidência suficiente para afirmarmos que, após os 60-65 anos, e quantos mais velhos pior, não há razão nenhuma para fazermos suplementos de vitaminas A, C e E e alguns suplementos de zinco e selénio, antes pelo contrário”, sintetiza. Se as pessoas fizerem uma dieta equilibrada, não necessitam destes suplementos vitamínicos, “os quais, no mínimo, são inúteis e, no máximo, prejudiciais”. Há muitos estudos comparando doentes - que fazem esse suplementos na perspectiva de diminuir a mortalidade e as complicações de doença - que indicam que há um ligeiro aumento de mortalidade nesses doentes. “A diferença é muito pequena. Mas, dado que há milhões de pessoas a fazer esses suplementos, há centenas que morrem indevidamente com aquilo. Portanto, não percebo do que estamos à espera para que estes suplementos sejam sujeitos a receita médica”, reclama.

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