Lição de anuência

Compreendi então a jogada portuguesíssima: “olha, nós viemos aqui para beber uma cerveja e é isso que vamos fazer. Dizes que temos de comprar comida, seja

Chegam dois jovens à esplanada de um restaurante, é uma da tarde. “É só para beber uma cerveja”, avisa o primeiro. O igualmente jovem empregado explica que têm de comer qualquer coisa.

“Então traga-nos a lista – e duas imperiais enquanto escolhemos”. Sorri com este golpe – assim bebiam as cervejas e iam-se embora, devolvendo as listas e dizendo que infelizmente não lhes apetecia nada daquilo.

O empregado recusa o baile: só servirá as imperiais quando trouxer a comida. Olham para a lista e escolhem o prato mais barato: uns peixinhos da horta.

Pegará? Pegou. O empregado anui, solidário.

Está bem pensado: os peixinhos da horta são um acompanhamento bom para cerveja, uma versão portuguesa do tempura de edamame. Raios, do que me fui lembrar. Perco o apetite, Conto os quilómetros sem fim que me separam duma boa tempura.

Chegam os peixinhos da horta – e os jovens não lhes tocam. Levam cinco minutos a beber as imperiais, levantam-se, pagam e vão-se embora.

Compreendi então a jogada portuguesíssima: “olha, nós viemos aqui para beber uma cerveja e é isso que vamos fazer. Dizes que temos de comprar comida, seja. A razão para não querermos comer não é falta de dinheiro, como vês. Fica aí o prato para veres que não tínhamos fome nenhuma e, mesmo que tivéssemos (e os peixinhos estavam com bom aspecto), antes cagar um pé todo até ao pescoço”.

O empregado sorriu. Também gostou. Não é ele que faz as regras e as regras deste restaurante até são simpáticas. Senti uma bonita cumplicidade entre os três jovens – e a minha também.

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