A Casa do Professor trabalha há 40 anos e não quer ir para a reforma

Instalada em Braga, esta é a instituição privada do país que mais formação dá a professores no activo, mas é também um lar para quem já não lecciona mais e um espaço de promoção da cultura junto de todas as gerações.

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A casa serve de lar e de espaço de formação para professores e antigos professores Inês Fernandes

No restaurante da Casa do Professor, algumas mulheres já aposentadas convivem à mesa. Aquele edifício, de porta aberta para a Avenida Central, no coração da cidade de Braga, é literalmente o lar onde vivem hoje 25 antigas professoras e um antigo professor. É, simultaneamente, um espaço com um programa cultural – o Claraboia, criado em 2010 – e que tem um centro de formação, que chegou a 6000 professores entre 2016 e 2018. Mas a instituição não se dirige apenas aos professores que já foram e que ainda são. Dirige-se também aos alunos, através da academia de música juvenil ou das visitas de estudo ao local, e tem cerca de 10.000 associados, professores ou ex-professores de 40 concelhos do país e ainda do Brasil.

Esses são os frutos de um caminho feito de “diálogo entre a área cultural, a área social e a área da formação” ao longo dos últimos 40 anos, explica ao PÚBLICO o presidente da instituição, Hilário de Sousa. A Casa do Professor surgiu oficialmente em 14 de Fevereiro de 1979, mas, para Luísa Lamela, professora que integrou o grupo de 15 sócios fundadores – é a sócia número sete -, tudo começou em 28 de Janeiro, após o esforço de António Gomes de Faria, o então director do Distrito Escolar de Braga para juntar os professores numa associação. “Havia muito espírito associativo e quisemos um espaço onde os professores pudessem rentabilizar as suas potencialidades em conjunto”.

O espaço inicial foi uma cave na Avenida da Imaculada Conceição, antes da mudança para um T1 na Rua do Sardoal, já mais perto do centro da cidade, e da ida para a Avenida Central. Sócia e antiga professora, de 71 anos, Luísa Lamela recorda com saudade o “encanto” do trabalho com os colegas, quando a Casa do Professor não tinha ainda quase nada, mas também olha com agrado para aquilo em que a instituição se tornou, dispondo de um lar para antigos colegas desde 2006.

Elisa Ferros vive lá há cinco anos. Professora do ensino primário durante 34 anos, em Barcelos, guarda com saudade uma “experiência de vida muito intensa” a dar aulas, Elisa, hoje com 79 anos, gosta da vida na Casa do Professor: pode ler e escrever, participa nas actividades de artes plásticas e nas visitas a monumentos promovidas pela instituição, desde que a artrite não a impeça. Até já chegou a participar num almoço convívio com alunos seus de há 50 anos. “Muitos deles disseram que fui um marco na vida deles. Tenho boas recordações da escola”, diz.

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Outra antiga professora que lá reside é Hermana Resende, de 83 anos; nascida em Coimbra, leccionou durante mais de 20 anos no distrito de Leiria e foi viver para Braga com o marido, quando lhe surgiu um cancro da mama, para estar perto da filha e do genro, médico. Ávida pela leitura, pela escrita e pelas palavras cruzadas, Hermana também participa regularmente nas actividades do lar e ainda guarda hoje memórias de alunos “maravilhosos e muito educados”, que a ajudavam a “subir uma ladeira para ir para a escola” numa altura da vida em que engravidara, no final da década de 1950.

Mas nesse espaço de convívio, as mulheres não estão apenas sentadas à mesa, mas também representadas nas ilustrações de Clara Não sobre as paredes. Patente na Casa do Professor até 23 de Abril, a exposição Ó mulher está repleta de frases que procuram despertar quem a vê para “papéis a que a mulher é forçada no âmbito de um protocolo social já enraizado, por vezes até de forma inconsciente”, diz a artista, contactada pelo PÚBLICO. “Por exemplo, o homem pode-se sentar com as pernas abertas, mas a mulher é censurada por isso. Nos casamentos, o noivo é que pode beijar a noiva e nunca o contrário”. Clara Não considera também interessante a exposição estar num lar, ao alcance de pessoas de uma geração mais velha.

A área cultural esteve sempre presente na vida da Casa do Professor e foi a primeira a dar-lhe notoriedade, com o órfeão e com as encenações de contos de teatro que levaram o grupo de teatro a todo o país. “Fomos à Moita, a Almeida, a Chaves. No Theatro Circo, chegámos a ter sete mil crianças a ver-nos”, recorda.

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Formar professores a pensar no aluno

A visibilidade que o trabalho cultural deu à Casa do Professor abriu o caminho para a aposta na formação de professores. Depois do trabalho cultural, Luísa Lamela orientou várias acções no Norte e Centro de Portugal, algumas delas com centenas de professores, na transição entre as décadas de 80 e de 90. Elas tinham de se realizar ao sábado, porque os professores não tinham então dispensa de serviço para fazerem formação. Uma acção realizada na Maia ficou-lhe especialmente na memória: enquanto falava para os seus formandos, o então ministro da Educação, Roberto Carneiro – tutelou a pasta de 1987 a 1991 -, entrou na sala e mostrou-se surpreendido. “Estava siderado por ver tanta gente numa sala apenas pela vontade de aprender”.

Essas formações tiveram ainda influência no crescimento do número de associados, que, à época, se fixou nos cinco mil. “A professora Luísa Lamela, com um dinamismo incrível, foi uma pessoa absolutamente central para consolidar a Casa do Professor”, recorda Hilário de Sousa. Numa maré de crescimento, a instituição criou, em 1994, um centro de formação que é hoje o maior do país sob tutela privada; a formação com milhares de professores dos 18 distritos de Portugal Continental e da Madeira, realizada em parceria com a Porto Editora entre 2013 e 2015 “contribuiu para esse estatuto”, admite Hilário de Sousa.

Certificado pela Fundação Europeia de Gestão da Qualidade, o centro conta hoje com uma bolsa de 300 formadores, que lhe permite dar formação presencial, mas também à distância, como aconteceu no curso internacional leccionado entre Janeiro e Fevereiro de 2019, que recebeu inscrições de 4000 professores de várias partes do mundo. A preocupação central desse curso é dar as ferramentas pedagógicas mais adequadas aos professores, a partir das necessidades que um estudo internacional da Casa do Professor, de 2017, identificou nos alunos. “Queríamos perceber como é que os alunos aprendem, como gostam de aprender, onde aprendem e com quem aprendem”, explica ao PÚBLICO a gestora de formação da Casa do Professor, Marta Peixoto.

Inês Fernandes
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Hermana Resende, antiga professora Inês Fernandes
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Hilário de Sousa reitera que muito do trabalho do centro de formação orbita hoje em torno do aluno e que os professores, mais do que actualizarem o seu conhecimento científico, precisam de actualizar o “método pedagógico”. “O professor deve ser um guia, um orientador, alguém que promove a aprendizagem, mas com um papel mais reforçado do aluno na sala de aula”.

O centro de formação também já se candidatou a um financiamento do programa Erasmus Mais para criar uma sala onde possa desenvolver as competências de crianças que revelem problemas de visão ou de audição em contexto de sala de aula – não necessariamente alunos com necessidades especiais – e a um outro projecto na área da igualdade de género, precisamente o tema que dá vida à exposição patente no âmbito do Claraboia.

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