Há autarquias que não se sentem pressionadas a resolver fugas de água

O recurso é escasso e por isso deve ser usado eficientemente. Mas isso não acontece em todo o país e o antigo presidente do Instituto da Água Pedro Serra aponta o dedo a algumas entidades gestoras que não investem para que os sistemas não tenham tantas fugas: perde-se 30% da água para abastecimento em Portugal.

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Rui Gaudêncio

As previsões para o futuro são pessimistas. Há estudos que indicam que vamos ter secas até 2100 e que o sudoeste da Europa será dos mais afectados. Que fazer?
Há já uma afectação dos nossos recursos devido às alterações climáticas que são incontestáveis. O quanto seremos afectados não sabemos. Temos por isso que nos preparar para sermos mais eficientes na utilização da água e hoje a agricultura faz uma utilização da água já muito eficiente. É talvez mesmo mais eficiente do que alguns usos urbanos o que era impensável aqui há 15 anos. Havia muito desperdício, havia rega de inundação, a aspersão ainda era limitada e tinha perdas elevadas. Hoje é quase tudo rega gota a gota, localizada e, portanto, as eficiências são muito grandes.

No sector urbano é que temos por vezes perdas muito elevadas pelo facto de algumas entidades gestoras não fazerem de todo em todo investimentos na manutenção das infra-estruturas. Devíamos ter valores na ordem dos 10-15% de perdas e fugas e estamos acima dos 30%, o que diz muito sobre a forma como algumas entidades gestoras encaram este problema. As entidades que olham para este tema com outros olhos, fazem manutenção das infra-estruturas e têm perdas limitadas.

Mas não há aqui um problema do preço da água nas zonas do interior, em que as receitas não cobrem os custos?
Há entidades gestoras que não recuperam os custos minimamente - não digo que tivessem de recuperar todos os custos -, praticam tarifas que estão muito abaixo do que aquilo que seria necessário para poderem ter recursos financeiras para fazer investimentos. É uma pescadinha com o rabo na boca porque como depois têm perdas muito grandes também perdem do ponto de vista financeiro. Temos o caso extremo de Macedo de Cavaleiros onde a água não facturada é superior a 80%. E está a subir.

Isto diz muito da forma como algumas entidades gestoras encaram estes problemas. É claro que estamos a falar muitas vezes de municípios que, com os critérios de aplicação da lei das finanças locais, beneficiam de contribuições muito importantes do Orçamento do Estado. E, portanto, temos cidades como Lisboa em que o fundo de equilíbrio financeiro não transfere um cêntimo para o orçamento da autarquia e temos outras em que chega a ultrapassar os 2000 euros por habitante. Por isso, essas autarquias não se sentem condicionadas ou pressionadas para fazer esses investimentos que permitiriam reduzir a dimensão do problema.

O que fazer para resolver o problema?
É necessário que nos compenetremos de que não podemos continuar a esbanjar os recursos hídricos como ainda vem sendo feito. Em todos os sectores. Ainda há utilizadores que não fazem uma gestão parcimoniosa do recurso. Temos de colocar o foco, por um lado, na extensão dos serviços - e há municípios onde ainda estão por fazer investimentos importantes para que a água chegue a toda a gente - e, por outro, economizar os recursos.

Aquela situação de Viseu, por exemplo, que ocorreu há dois anos é incompreensível porque era perfeitamente expectável conhecendo a situação e os recursos que são mobilizáveis na albufeira de Fagilde. Esta situação irá repetir-se ciclicamente até que seja encontrada uma solução mais duradoura, que tem de ser procurada pelos interessados e pelas autarquias que usam o recurso.

Recusar sistematicamente hipóteses como seja a integração no universo das empresas do grupo Águas de Portugal para depois sozinhos não serem capazes de encontrar soluções ou recusarem as agregações que este Governo tem vindo a tentar promover não leva a parte nenhuma. E o problema vai-se repetir porque aquela origem de água não é suficiente para aquilo que se pretende.

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