Grandes hospitais de Lisboa perdem uma centena de camas só num ano

Há um ano, a tutela queria aumentar a lotação dos hospitais de Lisboa e Vale do Tejo para mais quase três centenas de camas. Mas aconteceu o contrário. A justificação é a de que há obras de beneficiação que “implicam uma redução temporária de lotações”.

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Rui Gaudencio

Numa década, os três grandes centros hospitalares de Lisboa perderam 751 camas de internamento. A redução da lotação é uma tendência que se verifica há anos e, apesar de uma ligeira inversão entre 2015 e 2017, voltou a verificar-se na capital em 2018, mesmo depois de o Ministério da Saúde ter determinado, por portaria, que os hospitais de Lisboa e Vale do Tejo (LVT) deveriam criar quase mais três centenas de camas.

Dados revelados por mais de duas dezenas de unidades a pedido do Bloco de Esquerda (BE) — que quis fazer uma radiografia da situação na última década — indicam, porém, que na região de LVT aconteceu exactamente o contrário do que pretendia a tutela, sobretudo nos três centros hospitalares da capital (Lisboa Norte, Central e Ocidental), que perderam 96 camas de 2017 para 2018.

A redução da lotação nos hospitais públicos tem sido justificada com o gradual aumento das cirurgias em ambulatório, que não implicam internamento, e com o crescimento dos lugares disponíveis na rede de cuidados continuados. Mas, na portaria assinada em 20 de Março de 2018 pela então secretária de Estado da Saúde, Rosa Matos, que delineou a “reestruturação da rede de cuidados de saúde” em LVT, preconizou-se um aumento das 7871 camas (no final de 2017) para 8149 no terceiro trimestre de 2018. Ou seja, mais 278. Um ajustamento necessário devido ao “agravamento do envelhecimento da população” e ao “aumento da complexidade” dos “doentes crónicos”, justificava-se. Segundo a Administração Central do Sistema de Saúde, em Novembro, a região tinha uma lotação de 7799 camas.

Os dados já conhecidos em resposta ao pedido do BE (enviados por 21 das 37 unidades do país) indicam que nos maiores centros hospitalares de LVT, e ainda do Centro e do Alentejo, a redução da lotação continuou, apesar de em alguns hospitais ter acontecido o contrário, caso do Amadora-Sintra, que no ano passado tinha mais 21 camas do que em 2017 e no Garcia de Orta (Almada), com mais 28.

Em resposta ao PÚBLICO, a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo prefere destacar os acréscimos “significativos” na lotação de vários hospitais, dando estes dois exemplos e o do Barreiro-Montijo. A ARS explica que nalguns serviços decorrem obras de beneficiação que “implicam uma redução temporária de lotações” e lembra que este ano “a maior parte dos hospitais” da região vão “iniciar projectos de hospitalização domiciliária que serão responsáveis por um acréscimo de cerca de 100 camas”. 

No longo prazo, a diminuição do número de camas nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem sido acentuada. Ontem, o Instituto Nacional de Estatística voltou, aliás, a destacar a quebra no SNS — menos cerca de três mil camas — em contraponto com o aumento nos privados (mais 1700), entre 2007 e 2017.

Despesa de quatro milhões de euros

Esta diminuição reflecte-se num acréscimo do recurso ao privado, quis também saber o BE. Apesar de ainda faltarem as respostas das 16 unidades do Norte e do Algarve, alguns responderam que sim. Constata-se que “há uma perda generalizada de camas, que em algumas instituições está a obrigar que recorram à contratação privada, o que determinou apenas em 2018 uma despesa de cerca de quatro milhões de euros”, sintetiza o deputado bloquista Moisés Ferreira.

A maior fatia da despesa registou-se no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (CHULN), que integra o Santa Maria e o Pulido Valente, e que no ano passado indica ter contratualizado 116 camas no sector privado, com um gasto superior a 2,1 milhões de euros. “Este é um caso paradigmático, porque no ano passado este centro encerrou enfermarias e recorre abundantemente à prestação privada”, acentua o deputado.

Moisés Ferreira destaca igualmente o caso do hospital Amadora-Sintra, onde a lotação aumentou, mas, mesmo assim, foi necessário recorrer no ano passado a privados para garantir o internamento de quase uma centena de utentes. E se a maior parte das camas se destinaram a cuidados continuados (31) e a internamento social (34), também foi necessário contratualizar fora “camas clínicas” (doentes que ainda não têm alta), durante o Inverno. A despesa com o recurso aos privados ascendeu a quase 1,5 milhões de euros. “Isto é preocupante”, lamenta.

Na região Centro, também o Centro Hospitalar Tondela-Viseu, que numa década perdeu 63 camas, revelou ter contratualizado com os privados “entre 20 e 24 camas” de Janeiro a Março de 2018, no âmbito do plano de contingência do Inverno. 

O Centro Hospitalar Universitário de Coimbra perdeu igualmente um número substancial de camas nesta década (368), mas afirma não recorrer a privados para internamentos de doentes agudos. “Apenas os doentes mentais crónicos” são “encaminhados para instituições privadas (ordens religiosas e outras instituições), assumindo o CHUC o respectivo encargo financeiro”, responde a unidade, sem especificar a despesa.

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