Ao Attla, André traz o mundo e João traz Portugal

Discreto, numa pequena rua em Alcântara, o Attla é uma agradável surpresa. André Fernandes, que regressou a Portugal depois de anos de viagens e experiências, tem uma cozinha com identidade e vontade de fazer diferente.

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André Fernandes na cozinha do Attla Rita Chantre

No dia em que jantámos no Attla, na zona de Alcântara, em Lisboa, André Fernandes tinha dormido mal. Acontece-lhe às vezes quando recebe produtos novos e fica a pensar no que há-de fazer com eles. “É muito stressante mas é um desafio.”

Trabalhamos muito consoante o que o fornecedor tem”, explica, quando consegue sentar-se uns minutos a conversar connosco. Chegámos cedo, mas André e João Almeida, que com ele cozinha neste projecto, ainda não pararam. Em breve começarão a chegar os clientes e eles têm que preparar os pratos que criaram na véspera ou naquela manhã.

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Um dos pratos do Attla: lírio com ervilhas tortas Rita Chantre

Um deles, que já iremos provar, é massa de azeite glaceada com cacau e com recheio de sapateira. Parece simples? A nós não, mas André resume a ideia com toda a simplicidade: “Já queria trabalhar com a sapateira há algum tempo, mandei vir e sabia que queria fazer alguma coisa com massa. Só que era um bocadinho complicado porque somos só duas pessoas. Estávamos a pensar num flatbread mas teríamos que o fazer ao momento, o que era impossível, por isso passei para uma massa de azeite não insuflada e depois para a massa insuflada. O glaceado com cacau foi o João que pensou que podíamos fazer um sweet and sour, passar o cacau e glacear por cima.”

Este é um exemplo de como se trabalha aqui. Pequenos produtores, que André teve que ir descobrir quando voltou a Portugal depois de quase uma vida fora do país (partiu com 16 anos, regressou há pouco, com 31, acompanhado pela mulher, a fotógrafa Rita Chantre, depois de um período a viver na Costa Rica), produtos de temporada, que chegam diariamente, e que podem mudar também todos os dias. Uma carta sempre em construção.

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A sala do Attla Rita Chantre

Outro exemplo, um prato de lírio com ervilhas tortas, nasceu também da força das circunstâncias. “Tínhamos um ceviche de robalo, mas o robalo está muito caro, tentámos fazer o ceviche com o lírio mas não resultava. Tínhamos umas ervilhas tortas, ontem fomos apanhar flores de sabugueiro ao Casal Ventoso, onde há imensas, e foi assim que fizemos o prato”, com um vinagrete de flor de citrinos e flor de sabugueiro. Novidade nesse dia era também o camarão marreco, com leite de amêndoa, bisque e noodle de batata. 

André e João – que se conheceram quando trabalhavam ambos com Nuno Bergonse, em algumas temporadas que André passou por Portugal – completam-se. “O João é português, conhece imenso das plantas portuguesas, tudo o que é comestível. Eu não conheço muito porque cheguei há pouco tempo e estou agora a aprender sobre várias plantas marítimas portuguesas. Temos aqui uma sintonia em que eu lhe trago o mundo que está lá fora e ele traz o que está cá dentro.”

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Camarão marreco com leite de amêndoa e noodles de batata Rita Chantre

O projecto é uma operação pequena, mas na qual André e Rita, que é também a responsável pela decoração do espaço, colocaram “tudo, completamente tudo”. “Já tínhamos o projecto pensado quando estávamos na Costa Rica”, conta André. “Quando chegámos foi um recomeçar do zero. Fiz muita pesquisa, todos os fins-de-semana íamos aos mercados, conhecer, provar, falar. Uma pessoa levou-nos a outra e foi assim.”

Quanto às influências da sua forma de cozinhar, André identifica, na base, a francesa, “porque foi lá que tudo começou”, primeiro na Bretanha, para onde foi com 16 anos, e depois com a escola clássica de Alain Ducasse (no Plaza Athenée, em Paris), em Espanha (Catalunha), antes de passar pela Tailândia, onde trabalhou no Ritz Carlton, e depois das Caraíbas, a ilha de St. Barthelemy, Bora Bora e o Rio de Janeiro e, por fim, a Costa Rica onde, com Rita, teve o projecto Private Chef, de jantares privados na selva.

Sala do Attla Rita Chantre
Massa de azeite glaceada com cacau e recheada com sapateira
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Sala do Attla Rita Chantre

Depois destas voltas pelo mundo, o toque asiático está hoje presente em muitos pratos – até porque consegue, com alguma facilidade, encontrar produtos para isso em Portugal, começando pelos citrinos do Lugar do Olhar Feliz, por exemplo.

A carta de vinhos é curta mas nota-se a preocupação de criar alguma identidade. “Por ter estado fora muito tempo não acompanhei muito, agora há todo este movimento dos vinhos naturais que eu sempre quis aprender e provar, mas estava na Costa Rica, onde era tudo muito mau e caríssimo. Aqui está a ser toda uma aprendizagem, só que é também todo um investimento e como somos só dois, tem que se fazer pouco a pouco.” Não querem, no entanto, ter apenas vinhos naturais. “O que queremos, acima de tudo, é ter vinhos de qualidade, pequenos produtores, coisas que tenham a ver com a comida que fazemos.”

Para além de André e João, que trabalham numa cozinha aberta onde os podemos ver a cozinhar e a empratar, e de Rita, claro, o Attla é também o mixologista Guillerme e Melissa, que nos recebe, atende à mesa e, com o seu jeito descontraído e um sorriso contagiante, nos faz sentir em casa.

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