Mujikijera, o soldador que nunca jogou futebol

A história de um jogador que tenta regressar ao país de onde foi expulso por ter usado uma identidade falsa

Foto
Tapiwa Simon Musekiwa está no centro de uma enorme controvérsia DR

Afinal, Albert Mujikijera era Tapiwa Simon Musekiwa. Mujikijera trabalha como soldador na capital da Namíbia, Windhoek, e não tinha qualquer carreira paralela no futebol. A sua identidade foi usurpada por Musekiwa, cidadão do Zimbabwe, mas que estava a actuar no futebol namibiano ao serviço de um clube chamado Young African. Que, no meio deste enredo, carregou aos ombros todo o azar: foi expulso do campeonato, enquanto o futebolista impostor conseguiu um novo contrato para continuar a actuar no principal escalão.

Esta não é a primeira nem a segunda história de identidades trocadas (ou suspeitas) no futebol em países africanos. Mas tem a originalidade de envolver um soldador que provavelmente nunca jogou futebol. Albert Mujikijera era um futebolista que reforçou o promovido Young African em 2017-18 e contribuiu para o quinto lugar na época de estreia do clube no principal escalão. Mas afinal Albert Mujikijera era, segundo o diário The Namibian, o nome de um soldador de Windhoek cuja identidade foi usurpada – em Janeiro, no início da presente temporada, a mentira foi descoberta. O Young African foi multado em 50 mil dólares namibianos (aproximadamente 3150 euros) e expulso do campeonato por ter registado e utilizado um futebolista com documentação falsificada.

Albert Mujikijera era, afinal, Tapiwa Simon Musekiwa. Cidadão do Zimbabwe e (talvez) futebolista. “Musekiwa não é conhecido no seu país natal porque nunca jogou futebol profissional no Zimbabwe”, escreveu o diário The Herald. A fraude foi descoberta quando o Young Chiefs, um dos clubes despromovidos no campeonato da Namíbia em 2017-18, apresentou queixa à Liga. A denúncia apresentava detalhes sobre a forma como o futebolista e o clube actuaram para registar o reforço com um passaporte “cuja foto não correspondia aos dados pessoais que apareciam no documento”.

O The Herald citava o depoimento que o jogador deu à polícia da Namíbia, em que confessou a falsificação: “Utilizei este nome por indicação da pessoa que me ajudou a fazer o registo. O meu passaporte estava indisponível, porque eu tinha viajado de emergência. Declaro por este meio que sou Tapiwa Simon Musekiwa, nascido a 13 de Fevereiro de 1992 em Kwekwe, no Zimbabwe. Quero utilizar ao meu nome e documentos originais.”

Desde então, nos relvados, Mujikijera passou a ser Musekiwa. E, apesar da controvérsia, a carreira do futebolista nascido no Zimbabwe até evoluiu favoravelmente. Mudou-se para o African Stars, campeão em título da Namíbia, mesmo tendo confessado uma prática criminosa. “Desconhece-se a razão por que a Liga ainda não puniu Musekiwa, e também como foi possível ele ter um contrato registado com o African Stars apesar de continuar a ter assuntos por resolver com as autoridades – sejam os serviços de imigração ou a polícia”, escreveu o diário The New Era, da Namíbia.

“Farto-me de ouvir falar em crime, mas esse tipo de actividades não é da jurisdição da Liga. Se alguém vê um aspecto criminoso neste caso é livre de apresentar queixa à polícia”, frisou o presidente da Premier League da Namíbia, Patrick Kauta, acrescentando que o jogador já tinha cumprido a suspensão de sete jogos que lhe fora aplicada. Kauta é também presidente do African Stars, clube que contratou Musekiwa após a despromoção do Young African, e chegou a liderar a empresa estatal petrolífera da Namíbia.

Mas a 9 de Fevereiro a impunidade acabou. Durante um jogo do African Stars no campeonato, a polícia e os serviços de imigração foram buscar Musekiwa, cujo visto ia expirar a 22 de Fevereiro, para levá-lo para a Windhoek. Musekiwa saltou a vedação do estádio após ser substituído ao intervalo, e seria mais tarde detido a dez quilómetros do local, escreveu a agência NAMPA. Desde então, o impostor regressou ao Zimbabwe enquanto o clube tenta obter um novo visto. “Contratámos o jogador para esta época e queremos mantê-lo, por isso aguardamos que os serviços se pronunciem”, afirmou o director executivo do clube, Salomo Hei.

Para o Young African, que sofreu as maiores consequências pela fraude de Musekiwa, é que não há esperança. Os dirigentes contestam a expulsão do campeonato, mas é difícil que a decisão venha a ser alterada. Mais dramática é a situação de quem estava ligado ao clube: 27 futebolistas, dez técnicos e três outros funcionários do Young African terão ficado sem salários por causa da situação provocada por Musekiwa.

Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos. Ouça também o podcast

Sugerir correcção
Comentar