Como os países lidam com os familiares na política? Em França dá prisão

António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa defendem a criação de regras para regular as nomeações entre familiares. Em França, há regras apertadas desde 2017.

Foto
Filipe Ribeiro/PÚBLICO

Tanto o primeiro-ministro, António Costa, como o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, vieram defender em público a necessidade de haver leis específicas para regular as nomeações, depois de ter sido noticiado que existem várias ligações familiares nos gabinetes ministeriais e de um secretário de Estado se ter demitido.​

Mas não é só em território nacional que têm surgido polémicas sobre familiares de membros do Governo que ocupam determinados cargos. Nos Estados Unidos, Reino Unido e França, por exemplo, o tema também já foi discutido e foram até criadas algumas leis de forma a tornar o processo o mais transparente e imparcial possível.

Estados Unidos

No que toca a laços familiares no Governo, as normas são difíceis de legislar e fáceis de contornar. Nos Estados Unidos, o Presidente Donald Trump é frequentemente criticado por ter nomeado familiares para ocuparem cargos na Casa Branca, como é o caso de Ivanka Trump, filha e conselheira do Presidente dos EUA, e do seu genro Jared Kushner, também ele conselheiro de Trump. Porém, em 2017, o jornal norte-americano The Hill citava um estudo que mostrava que membros do Congresso, tanto democratas como republicanos, também mantinham os seus familiares por perto.

Segundo a análise feita pelo jornal, a partir de dados da Comissão Eleitoral Federal, pelo menos 11 congressistas pagavam salários anuais de milhares de dólares a familiares directos por trabalhos supostamente relacionados com campanhas eleitorais. Um dos casos terá envolvido Kristin Barton, filha do republicano Joe Barton (representante do Texas), que recebeu quase 132 mil dólares durante o ciclo eleitoral de 2012, o que corresponde a cerca de 9% dos fundos destinados à campanha eleitoral. O mesmo se terá passado com o filho e a nora de Steve King, membro da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos pelo Estado do Iowa.

Segundo a revista Newsweek, esta prática é legal nos EUA, desde que os familiares sejam remunerados por serviços relacionados com campanhas eleitorais e que não haja evidências de corrupção.

Kenneth Grubbs, assessor de imprensa do republicano Dana Rohrabacher, chegou mesmo a afirmar ao The Hill que faz sentido colocar familiares a gerir campanhas eleitorais, porque “não há responsáveis mais confiáveis”. 

Nos Estados Unidos, foi criada uma lei anti-nepotismo em 1967, que impede os Presidentes de contratarem membros da família para a sua Administração (depois de John F. Kennedy ter nomeado o seu irmão Robert Francis Kennedy para procurador-geral, o que causou controvérsia). Porém, Donald Trump deu a volta à lei, com a sua filha Ivanka e o genro Jared Kushner a assumirem o cargo de conselheiros, uma posição que não é remunerada. Não é contudo uma inovação de Trump: foi através desse mesmo argumento que Bill Clinton também pôde nomear a mulher Hillary Clinton para chefiar a “task force” para a reforma da saúde.

As leis anti-nepotismo variam depois a nível estadual, na tipificação das relações familiares contempladas (por afinidade ou consanguinidade), das penas aplicadas (entre multas, destituição, penas de prisão ou reembolso ao Estado) e dos cargos exercidos (que podem incluir legisladores ou funcionários públicos). 

Reino Unido

“Um em cada cinco deputados continua a empregar um membro da família, utilizando o dinheiro dos contribuintes, apesar de a prática ter sido proibida para os novos membros do Parlamento [eleitos a 8 de Junho de 2017]”, começava por descrever, à data, a estação britânica BBC. Dos 589 deputados que voltaram a exercer funções no Parlamento britânico em 2017, 122 tinham declarado ter empregue pelo menos um familiar no registo de interesses financeiros dos deputados.

Em 2017, foi imposta uma lei pela IPSA (Independent Parliamentary Standards Authority), uma autoridade britânica que regula as despesas dos deputados, que impedia os recém-eleitos membros do Parlamento britânico de contratarem familiares, de forma a apelar à transparência e diversidade. 

Alexandra Runswick, directora da organização Unlock Democracy, disse à BBC que “a lei que proíbe novos membros do Parlamento de oferecer empregos a membros da família reflecte as preocupações do público sobre o nepotismo e o potencial desvio de dinheiro público”. 

Depois do escândalo dos gastos dos deputados, revelado inicialmente pelo diário The Daily Telegraph, em 2010, foi imposto que os deputados poderiam apenas contratar um único membro familiar. Muitos deputados argumentaram, segundo a BBC, que as suas mulheres eram as pessoas mais aptas para lidar com os horários e padrões de trabalho imprevisíveis, referindo ainda um maior nível de confiança.

De acordo com uma investigação citada pela BBC, em 2017, as mulheres, familiares e amigos de membros do Parlamento recebem, em média, mais 5000 libras do que aqueles que não têm qualquer relação com os deputados. 

França

Em França, há pena de prisão e multa para políticos que empregam familiares. Ao contrário de Portugal, França já regulou em lei as regras sobre a contratação de familiares por políticos. A lei para a moralização da vida política, aprovada em 2017 por maioria absoluta de votos no Parlamento, proíbe ministros, deputados e autarcas de empregar familiares, especificando os laços de parentesco: mulher/marido, quer por casamento quer por união de facto; pais ou sogros; filhos ou enteados. Quem o fizer, arrisca uma pena de prisão até três anos e 45 mil euros de multa.

A mesma lei regula os casos em que membros do Governo contratam familiares de outros membros do Governo, obrigando a uma comunicação pública dos contratos: “Quando um membro do gabinete ministerial tem uma relação familiar com outro membro do Governo, ele ou ela deve informar, sem demora, o membro do Governo do qual é o colaborador e a Alta Autoridade para a Transparência da Vida Pública”. 

Espanha

Durante os primeiros cinco anos de Governo de Mariano Rajoy, os membros do Conselho de Ministros espanhol não se pronunciaram pelo menos em 56 ocasiões devido a conflitos de interesse, noticiava, em 2016, o diário El País, citando dados e actas do Conselho de Ministros. 

Segundo o jornal espanhol, os ministros evitaram tomar qualquer decisão, referente a projectos de lei, que pudesse afectar empresas onde tinham trabalhado ou nas quais poderiam ter qualquer conflito de interesse (fosse por relação directa ou de familiares), tal como tinha acontecido no Governo anterior com a vice-presidente María Teresa Fernández de la Vega, que se absteve por 21 vezes em debates relacionados com o sector da energia, visto que a sua família é proprietária da empresa Hidroeléctrica Vega.

Até 2015, o dever de abstenção dos ministros e altos dirigentes estava implícito na Lei de Conflitos de interesses, de 2006, que referia que estes não se deviam pronunciar quando o tema em discussão pode afectar uma empresa com a qual os deputados (ou seus familiares) tiveram alguma ligação nos dois anos anteriores à sua eleição. Em 2015, uma nova lei manteve, no entanto, esta norma, instituindo que existe conflito de interesse quando a decisão de um ministro possa “afectar os seus interesses pessoais, de natureza económica ou profissional”, cita o El País.

Os deputados são obrigados a apresentar uma declaração de actividades e interesses, à semelhança do que acontece em Portugal e em França. Porém, em Espanha, assim como no México, por exemplo, esta informação não é pública.

Argentina

Em Janeiro de 2018, o Presidente argentino Mauricio Macri proibiu a presença de familiares no Governo, assumindo uma luta a um sistema de clientelismo que durou décadas naquele país.  

A Argentina é já um país conhecido pelos estreitos laços familiares no poder. Em 2007, Cristina Elisabet Fernández de Kirchner assumiu a Presidência do país, sucedendo a Néstor Kirchner, seu marido e também ex-Presidente da Argentina.

Sugerir correcção
Ler 16 comentários