Michael Cohen encontrou novos “documentos importantes”, um mês antes de ir para a cadeia

O antigo advogado volta a acusar o Presidente Donald Trump de o ter instruído a mentir ao Congresso, e pede mais tempo em liberdade para analisar 14 milhões de ficheiros que descobriu num disco rígido e que podem ser úteis às investigações do Congresso.

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Michael Cohen foi ouvido no Congresso em Fevereiro LUSA/SHAWN THEW

Michael Cohen, o antigo advogado pessoal do Presidente dos EUA, disse que encontrou um novo conjunto de documentos que podem ajudar os congressistas do Partido Democrata nas suas investigações sobre as suspeitas de conspiração entre a campanha eleitoral de Donald Trump e o Governo da Rússia nas eleições de 2016. Numa carta enviada ao Congresso, na quinta-feira à noite, Cohen disse que precisa de tempo para analisar esses documentos e pediu o adiamento da data de início da sua sentença, marcada para 6 de Maio.

O antigo advogado (Cohen perdeu a licença em Fevereiro) disse que encontrou, num disco rígido que só agora lhe foi devolvido pelo FBI, 14 milhões de ficheiros “com documentos importantes”, entre e-mails, gravações de áudio, imagens e anexos retirados dos seus computadores e telefones.

Na carta, enviada apenas aos congressistas do Partido Democrata de três comissões de inquérito da Câmara dos Representantes, os advogados de Michael Cohen não dizem se os ficheiros em causa foram analisados pelo FBI e pelos procuradores federais que o acusaram de vários crimes no ano passado.

Na prática, Cohen quer que a maioria do Partido Democrata nessas comissões diga aos tribunais que ele está a colaborar com as investigações no Congresso, e que isso justifica um “adiamento substancial” da sua sentença, para que consiga separar os documentos privados e confidenciais dos que podem ser úteis aos congressistas.

“Esperamos que este memorando demonstre que o sr. Cohen precisa de estar livre para auxiliar o Congresso a cumprir as suas responsabilidades de supervisão do poder executivo”, disseram os advogados Lanny Davis e Michael Monico.

O “código” de Trump

Em particular, Michael Cohen volta a acusar o Presidente norte-americano de o ter instruído a mentir ao Congresso, em 2017, sobre as conversações entre a empresa de Trump e o Governo russo para a construção de um arranha-céus em Moscovo – uma acusação que, a provar-se, poderia ser considerada um crime passível de destituição pelo Congresso.

No depoimento de 2017, sob juramento, Cohen disse ao Congresso que essas conversações acabaram antes de Janeiro de 2016, quando ainda não tinham começado as eleições primárias para a escolha dos candidatos dos partidos às eleições de Novembro desse ano. Mas, em 2018, depois de ter sido arrastado pelas investigações do procurador especial Robert Mueller, Cohen disse que mentiu ao Congresso e que, afinal, as conversações entre Trump e a Rússia prolongaram-se até ao fim da campanha eleitoral – o que podia deixar o então candidato Trump exposto a uma troca de favores para garantir a construção do projecto imobiliário.

O Presidente norte-americano nega que tenha instruído Cohen a mentir, e diz que o seu antigo advogado apenas quer agradar aos procuradores para garantir uma pena mais leve.

Mas, tanto numa audição no Congresso em Fevereiro passado como na carta enviada esta quinta-feira ao Congresso, Cohen insistiu na acusação de que Trump lhe disse para mentir sob juramento em 2017, não directamente mas através de “palavras em código”.

“Cohen explicou que foi, de facto, instruído a mentir sobre a data de 31 de Janeiro de 2016, através de palavras em código usadas por Trump que só podiam ser interpretadas como uma ordem ou ‘directiva’ para encobrir o facto de que Cohen tinha estado em contacto com russos durante a maior parte da campanha presidencial”, diz o memorando entregue ao Congresso na quinta-feira.

Várias investigações

Cohen foi condenado a três anos de prisão em Dezembro, por fraude fiscal e bancária, violação das leis de financiamento das campanhas eleitorais e por mentir ao Congresso. O início do cumprimento da pena está marcado para 6 de Maio.

No dia 27 de Fevereiro, foi ouvido pela Comissão de Supervisão da Câmara dos Representantes, a convite da maioria do Partido Democrata e contra a vontade da minoria do Partido Republicano na Câmara dos Representantes. Num depoimento que se arrastou por várias horas, Cohen voltou a acusar o Presidente dos EUA de vários crimes e de ter um temperamento desadequado ao cargo que ocupa.

“Tenho vergonha de ter participado na ocultação dos actos ilícitos do sr. Trump, em vez de prestar atenção à minha própria consciência. Tenho vergonha, porque sei o que o sr. Trump é. É um racista. É um vigarista. É batoteiro”, disse Michael Cohen sob juramento, em Fevereiro.

As investigações da Câmara dos Representantes e do Senado sobre as suspeitas de conspiração entre a campanha eleitoral de Donald Trump e a Rússia, e de obstrução da Justiça pelo Presidente norte-americano, são independentes da investigação criminal liderada pelo procurador especial Robert Mueller.

Enquanto as investigações do Congresso procuram estabelecer se o Presidente, ou alguém do seu círculo mais próximo, cometeu crimes ou falhas tão graves que possam justificar a abertura de um processo de destituição, a investigação do Departamento de Justiça tem como objectivo recolher provas concretas de crimes, com vista a uma possível acusação formal nos tribunais.

Ou seja, num ambiente político tão polarizado como o que se vive na última década em Washington – com o Partido Republicano ao lado do Presidente independentemente das acusações e o Partido Democrata a aproveitar qualquer oportunidade para apontar o dedo a Donald Trump –, o maior ou menor empenho das comissões do Congresso depende de quem está em maioria nas comissões de inquérito.

Isso explica que as investigações na Câmara dos Representantes sobre Donald Trump se tenham arrastado no ano passado, quando o Partido Republicano estava em maioria, e que estejam agora a ganhar um novo ânimo, com a nova maioria do Partido Democrata.

Esta polarização é mais visível na Câmara dos Representantes, onde os novos legisladores são geralmente mais partidários e mais dependentes da sua ligação aos eleitores por terem mandatos de apenas dois anos. No Senado, onde os legisladores são mais experientes e têm mandatos de seis anos, - o que lhes dá mais tempo para criarem relações de respeito e amizade -, as decisões costumam ser mais ponderadas.

É por isso que as investigações do Congresso prosseguem apesar de o procurador especial Robert Mueller já ter concluído o seu trabalho.

No dia 24 de Março, o superior de Mueller no Departamento de Justiça, o attorney general William Barr, publicou um sumário do relatório final. Nesse documento, com apenas quatro páginas, Barr disse que Mueller não encontrou provas de conluio entre a campanha de Trump e a Rússia, e que o procurador especial não chegou a nenhuma conclusão sobre a suspeita de obstrução da Justiça – segundo o attorney general, Robert Mueller encontrou indícios que podem ser usados para argumentar uma coisa e o seu contrário.

Como o procurador especial não exonerou nem acusou Trump de obstrução da Justiça, o attorney general tomou a decisão de determinar que não há provas de comportamento ilícito ou ilegal por parte do Presidente norte-americano também nessa segunda acusação.

Ou seja, se o sumário de William Barr for fiel ao relatório final de Robert Mueller, ao longo de dois anos de investigações a equipa do procurador especial não encontrou provas concretas que pudessem justificar uma acusação em tribunal contra o Presidente Trump – e, mesmo que essas provas existissem, é política do Departamento de Justiça não acusar um Presidente em exercício (nesse caso, Trump poderia vir a ser acusado depois de sair da Casa Branca).

No Congresso a questão é outra – em vez de procurarem provas concretas para uma acusação em tribunal, os congressistas procuram provas que os convençam de que o Presidente agiu de forma imprópria e que deve ser afastado do cargo. Por exemplo, para alguns congressistas do Partido Democrata, o facto de várias pessoas do círculo próximo de Trump se terem reunido com representantes russos, e de outras pessoas ligadas à sua campanha terem tido conhecimento prévio de uma divulgação de e-mails do Partido Democrata, antes das eleições, é suficiente para a abertura de um processo de impeachment.

Mas para isso, é preciso que a Câmara dos Representantes aprove a abertura desse processo com uma maioria simples (que o Partido Democrata tem, pelo menos, até Novembro de 2020), e que depois o Senado julgue e condene o Presidente com uma maioria de dois terços (que o Partido Democrata não tem e dificilmente virá a ter enquanto Donald Trump for Presidente).

Ainda assim, o partido em maioria na Câmara dos Representantes poderia querer iniciar um processo de destituição mesmo sabendo que o Senado iria travá-lo, se isso lhe fosse favorável em termos políticos. Mas essa questão está longe de ser consensual no Partido Democrata: alguns congressistas têm vontade de lançar um processo de impeachment contra Donald Trump, mas a maioria, encabeçada pela líder da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, opõe-se a essa estratégia por considerar que pode virar-se contra o partido nas eleições de Novembro de 2020.

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