Circuito fechado

É o funcionamento em circuito fechado dos partidos que leva à abstenção e à erosão da democracia.

Neste ano eleitoral, abriu oficialmente a caça ao voto com a ida do primeiro-ministro à cozinha da Cristina Ferreira. Se eu fosse eleitor na Madeira não teria quaisquer dúvidas em votar no independente Paulo Cafôfo, proposto pelo PS, para presidente do Governo Regional. Por um lado, a democracia na Madeira está a precisar de um novo fôlego: não é normal que o mesmo partido reine — é esse o termo — desde há 43 anos. Por outro, o PS madeirense tem revelado abertura à sociedade, com a escolha do candidato, as coligações que tem feito e com a organização de Estados Gerais (vou participar numa sessão sobre cultura), para além de manifestar interesse pelas questões da educação, ciência e cultura, que me são caras.

Já quanto às eleições europeias, que se avizinham, a escolha do PS para número um da sua lista de um jovem ministro que se procurou afirmar com anúncios em catadupa de obras públicas impede-me de votar nesse partido, como noutras circunstâncias poderia fazer. Votaria se fosse, por exemplo, Maria Manuel Leitão Marques, que tem carreira fora do partido e que no governo tentou com competência inovar alguns serviços públicos. Pelo contrário, Pedro Marques (sem qualquer relação familiar com o nome anterior), ex-ministro do Planeamento e das Infraestruturas, revelou-se incompetente em vários dos processos sob a sua tutela: desde a incapacidade de resolver bem a calamitosa questão do Metro Mondego até à falta de visão quanto ao perigoso IP3, que não vai passar a auto-estrada, como Viseu pede e é necessário.

Andou a ver passar os aviões sem ter feito nada que lhes facilitasse a aterragem: deixou voar tempo demais a delirante ideia do “aeroporto internacional de Coimbra" do seu companheiro Manuel Machado (António Costa ouviu o ridículo anúncio e não tugiu nem mugiu), nunca apoiou publicamente a proposta do uso civil da Base Aérea de Monte Real, que faz todo o sentido para uma melhor organização do território, anunciou o aeroporto do Montijo sem ter na mão o indispensável estudo ambiental e proclamou números astronómicos de investimento aeroportuário, que não será público, mas privado, do concessionário, caso se concretize.

Também fez promessas quanto à rede ferroviária, mas os alfas e os intercidades circulam com atrasos nas escassas linhas de longo curso, o atendimento da CP ao público, quer presencial, quer no site, fica aquém do desejável e persistem estações, como a de Coimbra-B, que são uma vergonha nacional, para já não falar da falta de um serviço decente em cidades como Viseu e Leiria.

Pedro Marques foi o responsável pelos fundos europeus, mas não os soube redistribuir, designadamente reforçando o depauperado sector da ciência, tecnologia e ensino superior. Sem obra feita, o partido manda-o agora para a Europa. Mas não tem um pensamento estruturado sobre a Europa, nem sequer um ideário político consistente para além das banalidades que os “boys” partidários aprendem desde pequenos.

O actual governo do PS, que ainda não se libertou do fantasma de Sócrates (Sócrates saiu do PS, mas o PS não saiu de Sócrates, como mostra a manutenção de Pedro Silva Pereira como candidato europeu), vive do e para o partido. Fala-se muito nas ligações familiares no governo. Mas a questão maior não é a família estrita, mas sim a “família socialista”, o facto de o Conselho de Ministros estar hoje reduzido ao círculo de amigos e conhecidos do primeiro-ministro. Só na Madeira é que ainda há Estados Gerais, aceitando ideias de fora. Costa, enclausurado como está, tem recrutado não entre os melhores de toda a sociedade, mas nos quadros partidários formados em boa parte na “jota” socialista, esquecendo que o país é bem maior do que o que os ex-“jotas” normalmente conhecem.

Como, nas europeias de 2014, António Costa acusou António José Seguro de ter ganho por “poucochinho” (31,5%), esse é agora o seu mínimo. Se vai ter muito mais ou não ver-se-á no próximo dia 26 de Maio, sendo apenas certa a enorme abstenção, pois o alheamento da política não está a ser contrariado pelos partidos instalados (os votantes só foram 33,8% em 2014, menos do que os já baixos 36,8% em 2009, e muito menos que os 72,4% nas primeiras eleições, em 1987). É o funcionamento em circuito fechado dos partidos que leva à abstenção e à erosão da democracia.

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