Israel visto da Diáspora

As próximas eleições legislativas do dia 9 de Abril são particularmente decisivas para Israel e não só.

Será que se pode falar de “diáspora” quando um indivíduo, neste caso judeu e nascido em qualquer país no mundo outro do que Israel, assume livremente a escolha de aí permanecer ou de habitar em qualquer outro? Teoricamente talvez não, mas a realidade é bem mais complexa.

Israel nasceu como país de refúgio das perseguições anti-semitas da Europa Central e de Leste. Foi essa a sua vocação inicial, foi esse o primeiro e urgente objectivo do Estado Judaico, ou Estado dos Judeus, concebido por Theodor Herzl em finais do século XIX. Mas para além de funcionar como eventual Estado refúgio, Israel tornou-se o pólo central do povo judeu, garante da sua sobrevivência. Nascido sob o signo do Holocausto, a questão da sobrevivência pesa decisivamente na consciência judaica: “Se Israel existisse na época...”

Mas, na verdade, Israel nunca foi só isso: para todos os homens e mulheres que fundaram e construíram o Estado, a ideia mestra era ter um lar onde pudessem finalmente ser donos do seu destino num quadro de soberania política. O Estado de Israel cumpriu ambos os desígnios: ao longo de sete décadas acolheu sobreviventes e refugiados da Europa ocupada pelos nazis, das perseguições dos países árabes e do Império Soviético, entre outros. Mas também construiu um Estado para os seus cidadãos segundo o modelo democrático ocidental, devolvendo a liberdade e a dignidade tantas vezes sonegada ao longo dos séculos.

Por boas e más razões, Israel continua até hoje a ser país de refúgio para os que dele necessitam e também de imigração voluntária. Mas o Estado emancipou-se da “sua” diáspora. Os judeus de Israel têm uma especificidade única no judaísmo desde há dois mil anos: são israelitas (ou israelianos) e judeus. Ao universalismo do judeu errante, “patriota de quarto de hotel” como se intitulava Joseph Roth, foi forjada uma identidade nacional própria e uma consciência patriótica sempre negada ao judeu “demasiado” cosmopolita, onde frequentemente a língua e a cultura funcionavam como cidadania de substituição. Devido à sua vitalidade demográfica e à imigração regular, Israel é cada vez mais o centro do judaísmo mundial em termos populacionais, com sete milhões de judeus, num total de quase nove milhões de cidadãos.

Mas isto não significa que o elo tenha sido quebrado: os judeus, na sua infinita diversidade geográfica, religiosa, ideológica ou política, sabem perfeitamente que o seu destino colectivo está ligado à existência do Estado de Israel. Três mil anos de história são mais do que elucidativos a este respeito.

Este cordão umbilical e existencial verifica-se a cada vez que o país está em perigo. A propósito da Guerra dos Seis Dias, em 1967, Raymond Aron afirmava: “Sou o que se pode chamar um ‘judeu assimilado’. (...) Mas se as grandes potências, segundo o cálculo frio dos seus interesses, deixarem destruir o jovem Estado que não é o meu, esse crime, modesto à escala do número, tirar-me-ia a força de viver e acredito que milhões e milhões de homens teriam vergonha da humanidade.”

Assim, e embora sem nenhum poder efectivo de decisão, a diáspora judaica não é indiferente às politicas que são seguidas em Israel e em particular às sucessivas eleições. Na verdade, creio não faltar muito à verdade se disser que cada judeu da diáspora, embora não votando nas urnas – a não ser que tenha dupla nacionalidade –, vota no seu íntimo e na sua consciência.

Não sou excepção e estou convicta de que as próximas eleições legislativas do dia 9 de Abril são particularmente decisivas para Israel e não só. Decisivas, em primeiro lugar, porque o governo de Netanyahu, há dez anos no poder através de eleições democráticas, defronta-se pela primeira vez com uma alternativa potencialmente vencedora. Refiro-me à candidatura da coligação Azul e Branco, encabeçada por Benny Gantz, líder do partido “Resiliência de Israel” e antigo chefe do Estado-Maior do Exército. Coligação de centro-direita, conta no seu seio com antigos altos quadros do exército israelita, nomeadamente Moshe Ya’alon, antigo ministro da Defesa no governo de Netanyahu, o que em Israel, país confrontado em permanência com ameaças à sua segurança, é um ingrediente fundamental para a sua eleição.

Decisivas, em segundo lugar, pelo que está em jogo. Não sendo um extremista de direita, a vontade de se manter no poder tem levado Benjamin Netanyahu a coligar-se com partidos da extrema-direita religiosa e/ou nacionalista para quem a independência exemplar do Supremo Tribunal de Justiça de Israel é um estorvo e um alvo a atingir. Partidos que dividem a população judaica ao decretar quem é o “bom” judeu e quem não é, quem tem o direito de rezar junto ao Muro das Lamentações e quem não tem. Partidos para os quais o status quo cada vez mais perigoso entre israelitas e palestinianos funciona como estratégia e para os quais a ideia de um Estado palestiniano ao lado de Israel está cada vez mais afastada.

Digo isto consciente de que o que está em jogo é muito mais complexo do que o que acabo de referir. Mas não esqueço a ideia central da Declaração de Independência do Estado, em 1948, segundo a qual “Israel é o Lar Nacional do Povo judeu e o Estado de todos os seus cidadãos numa base de plena igualdade”.

Sei que Israel tem de fazer face a tentativas nunca abandonadas do seu aniquilamento, a uma hostilidade crescente na qual o anti-semitismo é parte integrante, que a luta pela sua sobrevivência e segurança é uma constante do dia-a-dia. Também não sei se a coligação Azul e Branco, caso vença as eleições, estará à altura dos desafios imensos com que se defronta Israel. Apesar disso, como sionista da primeira hora e como cidadã portuguesa e judia, o meu voto inútil vai para a coligação liderada por Gantz, citando as suas palavras: “Agradeço a Binyamin Netanyahu pelos serviços prestados durante dez anos. O que se segue fica por nossa conta.”

Veremos...

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