Eles caminharam mil quilómetros de Portugal. Agora andam pela Alemanha a mostrar o filme

De Sagres ao Porto, Portugal – Der Wanderfilm documenta a longa caminhada portuguesa de Silke Schranz e Christian Wüstenberg pela costa. Um caso de paixão que anda a ser admirado em dezenas de salas de cinema.

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É o filme de uma longa caminhada, concretizada, passo a passo e com muitos desvios, por um casal alemão que não só partilha a arte de criar filmes como também “a paixão” por Portugal. Silke Schranz e Christian Wüstenberg já visitaram muitas vezes o país, umas boas duas dezenas de vezes, e até já realizaram um filme sobre o Algarve há uma década. Agora, após uma longa caminhada de uns 1000km que os levou de Sagres ao Porto por caminhos da costa, apresentam em salas de cinema do seu país natal, a Alemanha, o “filme da caminhada”, Portugal – Der Wanderfilm, um resumo de 100 minutos de uma odisseia repleta de belas imagens, encontros e aventuras.

A “descoberta” de Portugal foi feita por Christian há quase três décadas. Em 1992, esteve em Lisboa e Sintra para trabalhar na produção de um filme, estava então nos seus primeiros tempos de formação como operador de câmara. “Apaixonei-me pelo país no primeiro dia”, diz à Fugas. E não lhe faltam razões: “as pessoas amigáveis, a comida deliciosa, o vinho português, o fado, a língua, a cultura, a costa, as ondas e as praias...” Temos a sensação de que Christian poderia continuar a lista por muito tempo. “Estou muito feliz por Silke partilhar a minha paixão. Temos de voltar a Portugal pelo menos uma vez por ano”.

Desta feita, o casal – que já tinha feito um documentário sobre o Algarve, mas também sobre a África do Sul, Austrália ou Mar do Norte – até tinha voltado para uma caminhada mais curta, longe de tanta quilometragem. Aliás, nem nunca tinham “caminhado tão longas distâncias”, conta o casal à Fugas numa troca de e-mails. Estávamos em Outubro e tinham apenas decidido fazer cerca de 100km da Rota Vicentina, de Sagres a Porto Covo. “Mas foi tão divertido que tentámos ir chegando a Lisboa a pé”. E uma vez atingida a capital, nova meta: “Andar todo o caminho até ao Porto”, onde chegaram em Dezembro. Foram 36 dias de caminhadas, alguns dias mais calmos ("o raio de umas bolhas nos pés”...), uma semana a deambular por Lisboa, outra pelo Porto. Agora mais descansados, enquanto vão mostrando o filme por salas de cinema na Alemanha, dizem-nos que “é fabuloso caminhar ao longo da costa, pelos diferentes meios naturais e áreas protegidas”, admitem-se “viciados” em Portugal, falam da “beleza” do país e do que os faz quererem voltar sempre que podem. A conversa é em inglês mas para definir o sentimento quando estão longe de Portugal usam bom português: “saudade”.

Para quem faz as contas à costa e mede em redor dos 600km de Sagres ao Porto, Silkie e Christian lembram o detalhe de que a caminhar a aritmética é muito diferentes. A pé, nada é em linha recta. É a subir, a descer, são praias, são desvios, é calcorrear “Sesimbra, Setúbal, Cascais ou a península de Peniche”. No final, contas feitas: “1024 km” andados. “Fizemos cada desvio da costa, nunca tomámos atalhos. Explorámos Lisboa e Porto a pé”. E, claro, “por vezes perdíamo-nos e tínhamos de andar dezenas de quilómetros até ao último ponto [assinalado] do caminho”.

O casal em Lisboa, com t-shirt alentejana
Num momento em que os pés pedem descanso...
Na Rota Vicentina
Na Rota Vicentina
Azenhas do Mar
Ílhavo
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O casal em Lisboa, com t-shirt alentejana

Como a ideia inicial nem era tão longa jornada, nem se prepararam à medida. “Nem sequer tínhamos um smartphone para ajudar a encontrar o caminho. Limitámo-nos a seguir a costa”. A aventura tinha as suas surpresas diárias. “Às vezes, não é possível continuar em frente, por causa de um rio, desfiladeiro, lagoas” (e etc.), “por isso, tínhamos de fazer grandes desvios”, “encontrar uma ponte” ou “pedir a um pescador para nos levar para outra margem”. “Todos os dias tínhamos de ultrapassar pequenos desafios”, dizem, terminando com um lapidar “e adorámos”. Ao longo do caminho, levaram apenas uns 5kgs em cada mochila. Nada mais que duas mudas de roupa (mais a que vestiam), sabonete e frasquinho de gel de banho, uns essenciais e, evidentemente, as câmaras.

Na memória, guardam locais únicos, como “o caminho da Praia das Maçãs às Azenhas do Mar, que é espectacular com as grandes ondas a rebentarem nas rochas”, ou o farol do Cabo Espichel, um “sítio realmente mágico”, ou a “beleza” da Nazaré. E os exemplos podiam continuar, mas, no geral, dizem-nos, “é a mistura de paisagem, gente amigável e comida muito boa. Tudo apela a todos os sentidos”.

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Apaixonados pelo país, têm agora uma opinião mais firmada sobre a costa que se mantém ainda livre do turismo massivo. “É uma jóia” de Portugal, que “deveria ser protegida da construção de grandes complexos hoteleiros”. E lembram que “nestes tempos stressantes, o turismo sustentável irá tornar-se cada vez mais importante” para as pessoas poderem “relaxar e desfrutar da natureza intocada”.

Em comparação, e recordando o filme que tinham feito sobre o Algarve, confessam que acham que a região ficou “muito turística”, com “um verdadeiro estilo ‘industrial’ de turismo, feito de hotéis, golfe, restaurantes caros”. Não é esse o país que os encanta: “Nós gostamos de Portugal por causa de Portugal, não é por causa das atracções e da indústria turísticas” que “são as mesmas em todo o mundo”. Mas “ao pé de mais um gigantesco complexo hoteleiro construído por investidores internacionais, há ainda jóias escondidas com identidade portuguesa que merecem ser visitadas”, opinam, referindo que era já isso que mostrava no filme algarvio. “Portugal pode estar orgulhoso da sua cultura, que é o que nos atrai”, rematam.

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Agora, com o documentário, esperam levar mais turistas - especialmente alemães, claro - a conhecerem o país passo a passo e não apenas o da praia-hotel. “É mais divertido, activo, intenso que o sol & praia num confortável, mas aborrecido hotel”, dizem. “Se deixares a tua zona de conforto, irás a estes sítios, aonde acontecem coisas realmente bonitas”. Como os alemães “gostam de andar”, referem, “estão mesmo interessados em descobrir o país a pé”. Por isso também, o seu filme está cheio de “boas sugestões” para caminhadas ao longo da costa, mesmo que mais curtas, necessariamente.

O filme já teve sessões em “40 cinemas de várias cidades alemãs” e continuará a “chegar a mais”, devendo atingir, pelo menos, cerca de 200 sessões. No Verão, integrará sessões de cinema ao ar livre, “que têm por vezes mais de mil pessoas a assistirem”. Os alemães estão a ver “um Portugal que ainda não conheciam”, contam. “Nós mostramos sítios fantásticos em Portugal em que é preciso mexer os pés para visitá-los” e “as pessoas ficam emocionadas depois de ver o filme”. “Portugal emociona-as tal como nos emocionou a nós”.

Não é incomum haver espectadores portugueses nas sessões na Alemanha. Em Hamburgo, conta Christian a título de exemplo, houve um espectador português que se chegou ao pé deles e não poupou nas palavras: “Disse-nos que não sabia que era preciso trazer lenços de papel para o cinema. Disse: ‘sinto tantas saudades de casa e estou tão emocionado e agradecido. Pensava que conhecia o meu país, mas vocês abriram-me os olhos para ver de outra maneira a beleza da costa'”.

A costa portuguesa em cinema alemão
A costa portuguesa em cinema alemão
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A costa portuguesa em cinema alemão

Para já, Portugal - Der Wanderfilm, além das exibições em salas alemãs (agenda aqui) só está disponível em DVD e Blu-ray em alemão (custa 18,90 euros em compra directa no site da produtora do casal, a Comfilm). No futuro, poderá também estar disponível em streaming. Como são realizadores independentes, por agora não planeiam investir na tradução e narração em português. Mas deixam o recado: “se houver gente interessada em Portugal em ver o filme na versão portuguesa, podemos pensar no assunto”.

Quanto a viagens, já sabem bem qual é o próximo destino: surpresa, é Portugal. Mas, desta vez, o passeio irá levá-los ao mar, às ilhas da Madeira e do Porto Santo. Que vão fazer a pé, “naturalmente”.

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