PSD queria discutir a segurança do país mas acabou engolido pela sua “mixórdia de temáticas”

Apoiada nos dados positivos do relatório de segurança interna, a esquerda acusou o PSD de estar insatisfeito com o nível de segurança que o país atingiu. Ministros da Administração Interna e da Justiça realçaram investimentos feitos.

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LUSA/MÁRIO CRUZ

Foi um debate em que o PSD queria discutir as condições do exercício da segurança em Portugal, mas em que ficou a falar quase sozinho porque o Governo e a esquerda encheram a sala com críticas e alguns sound bites irónicos, assim como com as estatísticas positivas do RASI - Relatório Anual de Segurança Interna conhecidos há dias. Fez lembrar um debate, há pouco mais de um ano, em que o PSD queria debater o estado da economia e defendeu que, apesar de estar a crescer, esse crescimento devia ser maior, levando os partidos que apoiam o Governo a cerrarem fileiras contra a direita e recordando o que PSD e CDS fizeram (ou não fizeram) entre 2011 e 2015.

O social-democrata Carlos Peixoto admitiu que os dados do RASI "não inspiram especial preocupação”, e que Portugal “é um país mais tranquilo, talvez até mais seguro” - “mas não por causa do Governo”. O deputado disse que os portugueses “não podem dormir descansados” porque o Estado “foi posto à prova várias vezes e claudicou com estrondo”. Exemplos? Tancos, SNS a “esboroar-se”, as 116 vítimas mortais dos incêndios de 2017. O Governo continua a “brincar com o fogo” ao não dar às câmaras os 50 milhões de euros para a limpeza das matas e ao fazer a nova lei da protecção civil quase em cima do Verão.

O vice-presidente da bancada do PSD vincou que “segurança não é apenas estarmos protegidos de crimes mais graves como os homicídios - que em 2018 e 2019 subiram expressivamente. Segurança é mais do que isso. É saber que andamos na rua e não termos medo que uma estrada colapse.” Ao exemplo, adicionou a violência no desporto, a falta de inspectores na PJ, o aumento da sinistralidade. Pediu ao Governo que não embandeire em arco com os resultados do RASI e avisou que “pequenos acasos trazem normalmente grandes tragédias”.

O ministro da Administração Interna (MAI) preferiu embandeirar mesmo. Citou estatísticas do RASI - que, disse, não queria discutir hoje mas apenas quando for agendado - e os rankings que colocam Portugal como o “quarto país mais seguro do mundo” para falar das vantagens para o turismo e para o investimento estrangeiro. Falou da redução da criminalidade grave e violenta e do número de crimes registados, da redução da área ardida; dos investimentos no reforço do pessoal na PSP, GNR, PJ e SEF, assim como na segurança rodoviária.

O socialista Filipe Neto Brandão daria o título ao texto e o mote para as intervenções à esquerda (a criticar Carlos Peixoto) e à direita (a criticar o ministro) ao classificar o discurso do social-democrata como um concorrente da rubrica de rádio de Ricardo Araújo Pereira, Mixórdia de Temáticas. O socialista avisou que “ninguém quer regressar ao tempo” dos salários cortados e da falta de recursos humanos nas forças de segurança.

O comunista Jorge Machado saudou o tema escolhido pelo PSD, mas só pelo tema. E lamentou que “só o PSD não esteja contente” com a redução dos índices de criminalidade. “Portugal é efectivamente um país mais seguro, muito pelo esforço dos elementos das forças e serviços de segurança”, elogiou Jorge Machado.

A bloquista Sandra Cunha criticou a “apologia de uma política securitária” que o PSD tentou desenhar e criticou Carlos Peixoto, afirmando não ser “sério nem de bom-tom recorrer a acidentes trágicos e exemplos macabros para os traduzir em argumentos políticos”. “É mesmo de quem não tem discurso e está completamente desnorteado.”

Carlos Peixoto recusou “reduzir o debate ao RASI”, como a esquerda quis fazer. Garantiu que o PSD se “congratula” com os “resultados positivos” do relatório, mas acusou o Governo, PS, BE e PCP de estarem a “meter a cabeça na areia e a refugiarem-se debaixo de um relatório” sem quererem ver tudo o que falta fazer à volta, da saúde à floresta, da prevenção rodoviária à protecção civil - áreas em que o Estado “tem falhado”. “Façam a festa, mandem os foguetes, mas não ponham os portugueses a apanhar as canas!”

O ministro Eduardo Cabrita desvalorizou os ataques. “Se o deputado Carlos Peixoto tiver um acidente na sua banheira, isso é uma falha do Estado? A culpa é do Governo”, questionou, para se apressar a dizer: “Desejo que isso não ocorra, a sério.”

Mix ou meddley de incompetências?

O centrista Telmo Correia alinhou na ironia. “A actuação do Governo não é uma mixórdia de temáticas; é mais um mix ou meddley de incompetências. Umas resolvidas e outras a aguardar despacho indefinidamente”, criticou, voltando a apontar os exemplos citados por Peixoto. O deputado do CDS-PP quis saber coisas concretas: se o Governo vai ou não propor o subsídio de risco para a PSP ou pagar o suplemento especial de serviço que o Supremo ordenou que seja pago. Não teve resposta durante todo o debate, nem mesmo provocando o ministro com uma frase de ordem da manifestação dos polícias: “Ó Cabrito, o que é isto? O país seguro e os polícias nisto?” E quis saber quais as medidas para colmatar a saída de elementos da PSP - o comando de Lisboa perdeu mil nos últimos anos; do efectivo nacional deverão sair 4000 até ao final de 2020. O ministro lembrou os “400 homens” que entrarão na PSP e o vice-presidente em exercício, o bloquista José Manuel Pureza, lembrou-lhe que serão “400 homens e mulheres, e não 400 homens”.

No encerramento, a ministra da Justiça fez questão de vincar as diferentes competências entre si e o MAI e disse que este “foi um mau dia e um mau timing para este debate”. Francisca van Dunem acusou mesmo Carlos Peixoto de estar a gerar a “ideia errada de que algo [de mau] se passa no plano da segurança e a criar sentimentos injustificados de insegurança”.

Listou concursos de admissão para colmatar “áreas depauperadas por anos de desinvestimento”, estatísticas do RASI e rematou: “Em matéria de políticas de segurança, fizemos tudo aquilo que o Governo devia fazer.”

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