Quem são os protagonistas da crise política argelina

No período de transição que se abre agora com o fim do Governo de Abdelaziz Bouteflika na Argélia, há figuras que podem ter uma palavra a dizer.

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O momento em que Bouteflika assina a sua resignação Reuters

Abdelkader Bensalah

Constitucionalmente, como presidente do Conselho da Nação, cabe-lhe assumir a presidência interina do país, depois da demissão de Abdelaziz Bouteflika. Aos 77 anos, Bensalah é um produto típico do regime. Alto membro da Frente de Libertação Nacional, o antigo partido único, está à frente do Conselho da Nação há 17 anos, tendo representado várias vezes o chefe de Estado em assuntos oficiais. Nunca foi ministro, mas não lhe faltaram cargos: deputado, embaixador, alto funcionário ministerial, presidente das duas câmaras do Parlamento. Este antigo jornalista e correspondente no estrangeiro, sem dons de oratória para empolgar audiências ou cativar seguidores, optou pelo caminho de fiel servidor do regime, e Bouteflika recompensou-o em 2002,dando-lhe o cargo decorativo (até agora) de segunda figura do Estado.

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ZOHRA BENSEMRA/REUTERS

Ahmed Gaid Salah

O general Salah emerge desta crise política como o homem que forçou Bouteflika a demitir-se ao retirar-lhe o apoio dos militares. O chefe do Exército deve muito ao agora ex-presidente, que o foi buscar quando estava prestes a reformar-se, em 2004, para substituir Mohamed Lamari que pertencia a um grupo que se opunha à recandidatura de Bouteflika a um segundo mandato. Em troca da sua lealdade, o então Presidente deu-lhe meios para reformar o exército, acrescentando-lhe o título de vice-ministro da Defesa em 2013, aparentemente em troca do seu apoio para nova recandidatura. Dois anos depois, o general demonstrou a sua lealdade ao ajudar Bouteflika no combate contra Mohamed Mediène (o general Toufik), o poderoso chefe dos serviços secretos que acabou por se demitir. Há alguns meses que o chefe do Exército defendia publicamente a recandidatura do Presidente a um quinto mandato, as semanas de protestos na rua fizeram-no voltar-se contra Bouteflika.

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Ali Benflis

O antigo primeiro-ministro e ministro da Justiça tem sido um dos principais rostos da oposição desde que Abdelaziz Bouteflika o afastou do poder, em 2003, devido à sua crescente popularidade. Candidato derrotado nas eleições presidenciais de 2004 e 2014, criou a seguir o Talaie El Houriat (Partido da Vanguarda das Liberdades), do qual foi eleito presidente em 2015. Desde o princípio das manifestações na rua que Ali Benflis tem pedido publicamente a demissão do chefe de Estado, elogiando o papel dos militares e a “revolução popular pacífica”. Após a demissão do seu grande rival, afirmou, citado pelo site Interlignes: “Os primeiros passos da saída do impasse político, institucional e constitucional foram dados, mas o caminho da refundação e da reconstrução ainda é longo”.

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Said Bouteflika

Desde a noite de terça-feira que Said Bouteflika, irmão mais novo do Presidente demissionário e seu conselheiro especial, está sob residência vigiada, refere o Mondafrique. Seis cidadãos argelinos apresentaram esta quarta-feira uma queixa contra ele por “usurpação de funções” e por “representar um perigo real para a segurança do país por utilização do selo da presidência da República”. Com menos 21 anos que o agora ex-chefe de Estado, o professor universitário e sindicalista foi nomeado conselheiro especial em 1999, quando o irmão foi eleito pela primeira vez. Em poucos anos, ganhou as lutas do poder a Ali Benflis e ao general Larbi Belkheir (falecido em 2010) e já é ele que dirige as campanhas da reeleição de 2004 e 2008 e dirige de facto o país desde que os problemas graves de saúde do irmão o começaram a debilitar em 2005, mas, sobretudo, desde o AVC em 2013.

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Mustapha Bouchachi

Conhecido advogado e activista, um dos líderes dos protestos contra o quinto mandato de Bouteflika, Mustapha Bouchachi integrou durante mais de duas décadas a Liga Argelina de Defesa dos Direitos Humanos, da qual foi presidente entre 2007 e 2012. Emergindo destas últimas semanas de poder nas ruas como uma das referências da mudança, mesmo não se querendo assumir como porta-voz do descontentamento, o advogado critica a sucessão de Bouteflika feita com base no artigo 102 da Constituição, “porque a solução da crise actual não é constitucional, mas puramente política”. E “os argelinos exigem um período de transição com personalidades que não tenham estado ligadas ao poder nas últimas duas décadas”.

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Outros

Uma série de outras figuras já jogaram ou podem vir a jogar um papel relevante na crise política argelina e na transição. Desde o conhecido diplomata Lakhdar Brahimi, cuja proximidade a Bouteflika e o facto de residir no exterior lhe retira peso, até Karim Tabbou, que se tornou num dos principais rostos dos protestos das últimas semanas, passando pelo antigo presidente Liamine Zeroual (que ontem afirmou ter sido convidado pelo antigo chefe dos serviços secretos, general Toufik, para liderar a transição. Há também o presidente do Conselho Constitucional, Tayeb Belaiz, outro dos leais de Bouteflika e o próprio Toufik, que em 2015 perdeu o braço de ferro com o general Salah, mas ainda mantém influência e poder no país. Abderrazak Makai, o líder do Movimento da Sociedade pela Paz, muçulmano moderado, optou por elogiar o sacrifício de Bouteflika na hora da partida, num acto que mostrou que o ex-Presidente era realmente o “verdadeiro decisor”, ao contrário do que se queria fazer crer. Há ainda o antigo primeiro-ministro , Mouloud Hamrouche, cujo nome foi repetidamente apontado como possível de vir a liderar a transição, mas que afirmou publicamente não estar disponível.

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