Na guerra entre o streaming e os cinemas, Helen Mirren sorri: “Adoro o Netflix, que se foda o Netflix”

É complicado: a relação da indústria com o serviço de streaming que já ganhou Óscares continua em discussão. A actriz defendeu de forma vernacular a experiência cinematográfica em sala numa convenção em que a poderosa associação dos estúdios explicou porque acolheu o Netflix como membro.

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Helen Mirren a promover o seu filme, produzido pela Warner NINA PROMMER/EPA

É um choque cultural e talvez Helen Mirren o tenha resumido na terça-feira em Las Vegas: “Adoro o Netflix, mas que se foda o Netflix”. A respeitada actriz falava para uma plateia de proprietários de cinemas e estúdios de Hollywood e fez um elogio à experiência em sala - de cinema - como a melhor forma de acolher e consumir filmes, na esteira de um ano de contenda entre o gigante do streaming e os gigantes do cinema convencional. Se Cannes e Steve Spielberg concordam com ela, apesar dos Óscares de Roma, de Alfonso Cuáron, já a Motion Picture Association of America (MPAA) decidiu acolher o Netflix na sua poderosa associação de estúdios.

“Não há nada como sentarmo-nos no cinema quando as luzes se apagam”, disse a actriz britânica, convidada pela CinemaCon, convenção que desde 2011 reúne os membros da National Association of Theatre Owners (que juntos detêm mais de 34 mil ecrãs nos EUA) aos representantes dos estúdios de Hollywood e exibidores. “Gostava de vos agradecer por tornarem esse ambiente possível”, disse ainda a actriz, sempre sorridente ao dizer como amava e desejava que se lixasse o serviço de streaming - a actual némesis da indústria, como em tempos foi, e continua a ser, a pirataria ou mais atrás, a televisão. Mirren esteve na CinemaCon para apresentar o seu novo filme, The Good Liar, produção da Warner que tem data prevista de estreia em Portugal em Novembro.

Tudo indica que pelo segundo ano consecutivo o Festival de Cannes não vai ter qualquer filme produzido pela plataforma de streaming (em 2017 foram lá exibidos os filmes Netflix Okja e The Meyerowitz Stories) depois da pressão dos exibidores (em França a lei determina um período de 36 meses após a estreia em sala para a passagem para o circuito doméstico). E apesar de com a sua produção Roma, o premiado filme de Alfonso Cuáron que foi um dos filmes preferidos dos cinéfilos de 2018, o Netflix ter feito estreias em sala semanas ou dias antes da disponibilização na sua plataforma, continua a não ser suficiente para os defensores da experiência exclusiva ou com maior janela de exclusividade em sala. É um momento de mudança, ou de tentativa de regular essa mudança - e de adaptação.

A frase de Mirren foi saudada com risos, segundo a Hollywood Reporter, que recorda que muitos dos proprietários dos cinemas presentes não estreiam filmes produzidos por plataformas de streaming. Roma, com o seu prestígio, foi boicotado em vários países, dos EUA a Espanha passando por Portugal, pelas grandes cadeias de exibição e/ou por pressão dos estúdios e teve apenas estreia em exibidores independentes ou de pequenos grupos.

Uma das vozes mais sonantes contra o modelo de estreia dos serviços de streaming desde que enveredaram pela produção original de filmes é a de Steven Spielberg, que em Fevereiro foi notícia por ir propor à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood que mude as regras para que filmes que não cumpram essas condições não sejam elegíveis para votação para os Óscares e sejam encarados como “telefilmes” e por isso enviados para outra Academia - a que atribui os Emmys. Essa possível alteração levou esta semana o Departamento de Justiça norte-americano a escrever à Academia dos Óscares sobre as suas dúvidas quanto a uma modificação das regras que possa ser anti-concorrencial.

De acordo com a Hollywood Reporter, o tema streaming tem sido um dos pontos fortes da CinemaCon - o Netflix é apenas um de vários serviços a produzir cinema e a trabalhar com realizadores sonantes, estando a produzir o próximo filme de Martin Scorsese (que o deseja ver nos cinemas e não só nas casas dos utilizadores) da mesma maneira que a Amazon produziu Roda Gigante, de Woody Allen, em 2017. O realizador John M. Chu explicou na convenção que optou por fazer o seu êxito Crazy Rich Asians com um estúdio - a Warner Bros. - e recusou um cheque chorudo do Netflix para garantir que o filme chegava às salas e deixava a sua marca como um filme sobre e com asiáticos no grande ecrã. E, do outro lado da poderosa barricada, a MPAA defendeu a integração do Netflix na sua poderosa organização laboral, que representa as cinco majors de Hollywood (os “Big Five”, ou os cinco grandes estúdios) e agora também o serviço de streaming.

“Na MPAA, cada uma das empresas-membro está a evoluir. E por conseguinte, a forma como trabalhamos na nossa missão de promover e proteger a criatividade está a evoluir. Recentemente, essa evolução incluiu a adesão do Netflix à MPAA, juntando-se ao nosso elenco de líderes globais na criação de conteúdos”, disse à plateia o presidente da MPAA, Charles Rivkin. “Somos todos defensores mais fortes da criatividade e do negócio do entretenimento quando estamos a trabalhar juntos... todos.”
 

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