Zeca Mendonça: “gente que sabia estar”, “gente que soube ser”

Para o Zeca, cada um era mesmo cada qual e não apenas “mais um”. Cada um era mesmo cada um e não outro. Não o outro. Nunca o outro.

1. Só dei pela pessoa do Zeca Mendonça tardiamente, quando, pelos idos de 2004, também tardiamente para os padrões nacionais, entrei na vida política. Primeiro, ainda muito à distância, quando passei pelo Governo. Depois, mais de perto, já como deputado à Assembleia da República. E, alguns anos volvidos, de perto, de pertíssimo, de muito perto mesmo, quando fui líder parlamentar da bancada do PSD (2008-2009). Desses largos meses quase totais, ficou uma relação forte e intensa, de carácter permanente, sempre muito viva (e vivida) nos múltiplos períodos de campanha eleitoral entretanto ocorridos.

2. Poderia começar por dizer – e vou mesmo começar por o fazer – que, logo como deputado, senti que a minha relação com o Zeca Mendonça era especial. E era mesmo. Sucede, porém, que, com quase todos os deputados do grupo parlamentar, a relação que ele gerara era igualmente especial. E que, com muitos deputados de outras bancadas, era também singular. E que, com os jornalistas, veteranos ou iniciados, a relação era identicamente muito peculiar, muito especial, feita e vivida à medida de cada um e de cada qual. Esta era a primeira divisa distintiva do Zeca, o sinal que verdadeiramente o diferenciava e singularizava. Era um construtor de relações especiais, um criador de relações únicas. Por certo, umas terão sido mais densas e outras mais leves, mas todos e cada um as sentiam como especiais. Eis aqui um traço fino e raro: o Zeca conhecia os seus interlocutores, compreendia-os, aceitava-os e, por isso, foi capaz de se tornar – de verdadeiramente ser – especial para cada uma delas, para cada um deles. Para o Zeca, cada um era mesmo cada qual e não apenas “mais um”. Cada um era mesmo cada um e não outro. Não o outro. Nunca o outro.

3. Esta arte de fazer dos outros um ser especial resultava do valor que iluminava a vida do Zeca Mendonça: a confiança. Se tivesse de escolher uma palavra, uma ideia, um valor para pintar ou fotografar o Zeca, essa palavra – “a palavra” – seria confiança. O Zeca era absolutamente confiável, o Zeca suscitava confiança. Junto do Zeca, a confiança não era um rígido valor ético, a confiança era um sentimento. Um sentimento primário, primitivo, espontâneo, genuíno. Sem cálculo e sem reserva; sem equívoco, sem jogo duplo. A confiança não era só uma virtude; era um sentimento. Nós sentíamos confiança, nós sentíamo-nos confiados. A confiança – a “palavra” – não vinha de mil palavras, não advinha de mil juras, não provinha de mil gestos. Muitas vezes bastava um trejeito, um esgar, um encolher de ombros e a confiança estava armada!  Podia ser, lado a lado, num segredo ao pé da orelha; podia ser lá do fundo da sala, com um piscar de olhos ou um estalido do polegar. Dava confiança, deixava-nos confiar, respirava confiança.

A quem conhece a política – diria mais, a quem conhece a vida –, pode parecer inverosímil ou mesmo impossível. Mas, apesar de ele ter convivido com todos os líderes, dos mais variados recortes e inclinações, nunca lhe ouvi uma inconfidência. Parece quiçá implausível e até impossível, mas, apesar do frenesim do quotidiano e da vertigem dos corredores, nunca lhe escutei uma intriga. Não havia intriga, não havia inconfidência; mas, ainda assim, o Zeca não era assético, nem esfíngico. Não, o Zeca não era neutral, nem fazia silêncio do cálculo, não lavava as mãos como o governador romano. Era apenas seguro, firme, convicto, espesso e denso. Era o cúmulo do peso, conta e medida; com a dose certa de senso e de humor. E, por isso, sem nunca chegar à intriga ou se meter na inconfidência, falava de política, opinava sobre política, fazia observações certeiras e sugestões inspiradas, evocava a experiência e os precedentes, reportava episódios e citava comentários. O Zeca não era ingénuo nem maquiavélico: tinha confiança e gerava confiança.

4. O Zeca era discreto. Nunca se impunha e impôs-se-nos a todos. Não se dava por ele, mas ele dava-se por nós. O Zeca era sério; mas senhor de um humor desconcertante, o mais “desanuviante” dos humores. O Zeca era um cavalheiro. O Zeca raramente elevava a voz, dificilmente se zangava. O Zeca prevenia, chamava a atenção, advertia, discordava. O Zeca pedia sempre permissão para discordar, mas nunca deixava de discordar nem de pedir permissão. O Zeca não mentia: dava suavemente a má notícia; adiantava delicadamente a crítica. O Zeca ficava feliz com um bom debate, uma declaração bem sucedida, uma entrevista que marcava pontos. Mas quando as coisas não corriam de feição, o Zeca estendia a mão, dava o braço, fazia o contorno do nosso ombro. E se algo corresse mesmo mal, então dava o mais apertado dos abraços, mesmo (e muito especialmente) quando não tínhamos tido a lucidez de seguir o seu conselho ou a sua prevenção. O Zeca acalmava, punha em contexto, relativizava, lembrava que amanhã era outro dia e que para a semana tudo recomeçava. Nos bons momentos, o Zeca estava lá; nos maus momentos, lá estava o Zeca. Dito de maneira mais forte: o Zeca não estava lá, o Zeca “era” lá. Quando estava, ele não se limitava a estar. Quando estava, ele atrevia-se a ser. Como poucos ele sabia estar; como poucos, ele soube ser.

Sim. D. Américo Aguiar. A ordenação como bispo auxiliar de Lisboa do mais empreendedor dos clérigos, vital na comunicação, “construtor de pontes” por vocação, é uma boa nova para a Igreja e para o país. 

Não. Saúde e António Costa. Na entrevista do fim-de-semana, António Costa, ao propor a saúde como grande desígnio para um futuro e eventual Governo, assume obviamente o maior fracasso da legislatura.

O autor escrever segundo o novo acordo ortográfico

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