Revisor de contas alertou, mas nem governos nem o BdP o ouviram

Manuel de Oliveira Rego, antigo revisor oficial de contas da Caixa Geral de Depósitos, diz que todos os órgãos sociais do banco público “têm de assumir responsabilidades”.

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Revisor de contas diz que nunca foi contactado pelo Banco de Portugal LUSA/ANTÓNIO COTRIM

Foi com um desabafo que Manuel de Oliveira Rego terminou uma resposta sobre os problemas identificados na Caixa Geral de Depósitos. “Estão lá no poleiro, fazem o que querem.” O antigo revisor oficial de contas do banco público garantiu esta terça-feira na comissão de inquérito à CGD que encontrou vários “indícios de coisas graves”, mas que nem o Ministério das Finanças dos diferentes Governos, nem o Banco de Portugal ouviram os seus reparos e considera, por isso, que falharam na sua acção. Aliás, disse aos deputados, apesar de ter sido revisor oficial de contas (ROC) da CGD entre 2000 e 2016 nunca foi contactado pelo Banco de Portugal, nem pelos diferentes titulares da pasta das Finanças, apenas mudando este cenário a partir de 2012, disse.

Em respostas à deputada do CDS Cecília Meireles, Manuel Rego garantiu que reportou problemas nos relatórios trimestrais que entregava ao Ministério das Finanças e nas auditorias ao sistema de controlo interno que entregava ao Banco de Portugal. “Muitas e muitas folhas que foram para o Ministério das Finanças, se são lidos ou não…”, insinuou. O BdP nunca o contactou, apenas “por interposta pessoa”, o mesmo aconteceu com os diferentes titulares das pastas das Finanças dos diferentes Governos. Excepção, a partir de 2012, quando “o Ministério das Finanças pediu alguns quadros [números]”. Nada mais.

O revisor admitiu que encontrou várias diferenças entre os créditos concedidos sem respeito pelas regras internas da CGD. “Isso aconteceu várias vezes e nós relatámos”, garantiu, explicando que frisavam “essas situações” quando eram encontradas.

Outra situação encontrada foi a “inexistência de um colateral” aos empréstimos ou o facto de estes não terem “cobertura” que fosse “condizente com o que estava determinado internamente, os 120%”. E o que fazia o revisor? Manuel Rego respondeu que escrevia nos relatórios: “Têm de ir ver porque isto é um indício de que podem acontecer coisas graves”. Contudo, garantiu, estas situações “eram excepções”.

O revisor explicou aos deputados o que era o seu trabalho e o dos seus pares, que tinham uma sala própria na CGD. “Verificávamos se as concessões de crédito percorriam todo o percurso previsto nas normas internas da CGD. Por outro lado, na análise de sistema de controlo interno, fazíamos uma selecção de processos e analisávamos um a um onde faltavam os documentos, porque efectivamente faltavam por vezes”. O que fazia a seguir?, quiseram saber os deputados. “Não íamos discutir com o Conselho de Administração. Íamos ao nosso relatório e dizíamos: acontece isto, isto e isto. Quem tinha a responsabilidade de ler esse relatório, tinha de levantar as questões, num caso o Ministério das Finanças e noutro o Banco de Portugal”, disse.

Assumir responsabilidades

Este foi um ponto que salientou no início da audição: que todos os órgãos sociais da CGD deveriam “assumir responsabilidades”. “Temos de reflectir. Eu acho que é um grande contributo para que haja uma evolução francamente positiva na CGD. Todos os membros da CGD, órgãos sociais, têm de assumir as suas responsabilidades. Os membros do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal são escolhidos pelo accionista único, são credenciados pelo Banco de Portugal. Estão no poleiro, fazem o que querem”, terminou.

Para Manuel Rego, o accionista tem de ter um papel mais activo que lhe permita chegar às assembleias gerais e questionar o conselho de administração e o conselho fiscal sobre os problemas que forem encontrados. Tem de haver preparação que, como disse, não existiu durante o período em que trabalhou como revisor oficial de contas na CGD. “Para que a CGD funcione, senão não vale a pena, com a finalidade que deve ter, todos os órgãos têm de assumir a sua responsabilidade. E no topo está a assembleia geral e, nessa assembleia geral, o accionista tem de ser activo e questionar o Conselho de Administração e o Conselho Fiscal para saber se está [tudo] a correr como acha que deve correr. Ele [accionista] é que é o patrão. Isto não estava a acontecer no tempo em que estive lá”, assegurou.

Sobre o papel do órgão de fiscalização que era da sua única responsabilidade entre 2000 e 2007, e passou a responsabilidade partilhada depois desse período, Manuel de Oliveira Rego admitiu que, nos bancos, “fraudes ou erros podem acontecer sem serem detectados” e que apesar de os detectarem não podiam evitar que esses créditos fossem concedidos. “O órgão de fiscalização não tem responsabilidade de aprovação ou decisão, não existem procedimentos que impliquem uma consulta prévia ao órgão de fiscalização antes da tomada de decisão”, explicou.

No início, Manuel Oliveira Rego fez uma exposição em que explicou o papel que teve e fez questão de mostrar estranheza pela decisão do Governo de então de transformar a sua sociedade como “fiscal único”. “Tivemos vários anos, desde 2000 a 2007 como fiscal único, numa situação muito especial. Não se entende numa entidade como a CGD que o seu órgão de fiscalização fosse um fiscal único. Foi uma decisão do Governo que eu não entendi”, referiu.

Imparidades reconhecidas mais altas do que o normal

Outro ponto a salientar, no início desta audição, foi o facto de o ROC ter opinado sobre, no seu entender, ter havido uma sobrevalorização das imparidades em 2016, aquando da recapitalização da CGD, permitindo assim empolar os problemas, permitindo uma recapitalização mais robusta e fazendo com que o banco público chegue aos lucros mais rápido. Sobre esse assunto, disse que houve imparidades de grande monte que foram apenas reflectidas nas contas da CGD de 2016 e que essa sobreapreciação das perdas nesse ano vai permitir “reversões de imparidades significativas, traduzindo-se em resultados positivos nos próximos anos”.

Mais tarde, em resposta ao deputado do PCP Paulo Sá explicou que isto aconteceu tendo em conta as exigências da Direcção-Geral da Concorrência da União Europeia para que a injecção de capital público na CGD não fosse considerada ajuda de Estado. A DGComp “fez uma imposição à CGD de fazer a revisão dos critérios para avaliação das imparidades. Para quê? Par que os activos ficassem a ter valores de forma a que um investidor privado ficasse tentado a investir naquelas condições. Por isso, as imparidades subiram “para além dos critérios normais, os activos que estavam alocados ficavam com um valor patrimonial muito baixo”. 

Questionado se isso reflecte que antes havia uma subavaliação das imparidades, o ROC negou. “Não, não era. Estavam de acordo com os critérios internacionais”, referiu. Esta nova avaliou “é que não está” de acordo com as normas internacionais. “Estão sobreavaliadas”, afirmou.

Na sua opinião, para que as contas da CGD estabilizem, “a actual administração tem de gerir estes activos porque tem ali resultados potenciais muito significativos. Não pode constituir veículos para vender como noutras alturas, tem de haver uma gestão apertada, negociação de colaterais e não nos podemos admirar que a CGD tenha resultados muito positivos, se houver todos estes cuidados”, acredita.

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