Um primeiro-ministro sem tempo para governar

Com Rui Rio metido na sua atalaia, António Costa vê-se obrigado a correr o país em defesa do seu mandato.

Já cansa: olha-se para a agenda de António Costa nas últimas semanas e verifica-se que o dirigente partidário destronou o primeiro-ministro. Cansa porque, dia sim, dia não, lá aparece um centro de saúde para visitar, uma estratégia florestal para anunciar, um contrato para assinar ou uma viagem de comboio para fazer. Para um Governo que, por legítima opção política, está longe de deixar um admirável rasto de obras públicas, tanta agitação deixa no ar um sopro de nervosismo que dá força às tendências das últimas sondagens. Não basta a distância de dois meses das europeias para justificar tantos quilómetros para inaugurar a eito novos equipamentos de um hospital ou unidades de saúde familiar. A proverbial inteligência política de António Costa fê-lo perceber que o PS precisa de meter os pés ao caminho para manter incólumes as suas expectativas eleitorais.

Quem diria... Um Governo que apresenta um défice público histórico, que exibe taxas de desemprego impensáveis há apenas dois ou três anos, que conseguiu em menos de uma legislatura apagar os traumas da troika está a revelar dificuldades imprevistas no exacto momento em que se prepara para o seu primeiro teste eleitoral. Na política, dir-se-á, não há lugar para a justiça, mas essa é apenas uma forma de isentar o Governo de uma série de erros. Erros de concepção, como a que quis instaurar no país um impossível “virar de página da austeridade” e abriu uma maré de reivindicações impossíveis de atender. E erros de gestão corrente, como a que levou o Governo a fechar-se em clãs familiares e, principalmente, a escolher como cabeça de lista um ministro das Obras Públicas conhecido por não ter obra nenhuma.

Com Rui Rio metido na sua atalaia, António Costa vê-se obrigado a correr o país em defesa do seu mandato. Duvida-se de que a sua estratégia de estar em tanto lado em tão pouco tempo funcione. Os portugueses hão-de ver em tanto cerimonial um perfume de propaganda. Tanta inauguração e promoção hão-de causar mais saturação e desgaste do que envolvimento e apoio. Porque, para o senso comum, governar dispensa semelhante foguetório. No essencial, o PS vai ser julgado nas urnas pelo seu projecto europeu, pelos resultados na economia e nas finanças públicas ou pela política social que, recentemente, o levou a melhorar os passes sociais. Tudo isto se sabe e nada disto se inaugura. Acreditar que os portugueses vão votar no PS por causa do frenesim de inaugurações é remeter a sua inteligência para os tempos da TV a preto e branco.

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