ASAE tem um inspector para cada 10.324 alojamentos locais

Há mais de 80 mil AL em Portugal e apenas oito inspectores da ASAE a fiscalizá-los. Falta de segurança e salubridade são problemas mais comuns. Mas capacidade de actuação é “muito reduzida”. Associação Sindical dos Funcionários da ASAE denuncia “absoluto descontrolo”

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Em todo o país estão registados mais de 80 mil alojamentos locais Nuno Ferreira Santos

O cenário é de “absoluto descontrolo” e a Associação Sindical dos Funcionários da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASF – ASAE) garante que tanto o inspector-geral da ASAE, Pedro Portugal Gaspar, como o Ministério da Economia, que tutela esta entidade, têm sido “recorrentemente alertados” pelos sindicalistas para o problema. Para fazer a fiscalização dos 82.592 fogos inscritos no Registo Nacional de Alojamento Local (RNAL) há, em todo o país, apenas “quarto brigadas” especiais – distribuídas por Lisboa, Porto, zona centro e Algarve – e cada equipa tem “dois elementos”. Ou seja, há oito inspectores a fiscalizar mais de 80 mil AL. Ou, visto de outro ângulo, cada trabalhador fica responsável por 10.324 alojamentos.

Quando as brigadas especiais para o alojamento local foram criadas, em 2014, havia em Portugal 16 mil empreendimentos turísticos deste tipo, recorda o presidente da ASF – ASAE, Bruno Figueiredo. Desde essa altura, o “crescimento de fogos foi exponencial”, mas o das equipas de fiscalização não. A única alteração, diz, foi até contrária: há cerca de um ano, uma das brigadas do Algarve foi “extinta por falta de pessoal” depois de um dos elementos ter saído. Agora, apenas na época alta se reforça o pessoal nessa zona do país, onde o aumento de turistas é muito grande. 

Algumas operações especiais são, volta e meia, planeadas. Mas Bruno Figueiredo chama-lhe operação de maquilhagem: “Têm o objectivo de, no fim do ano, poder dizer que em vez de 20 se fiscalizaram 200 alojamentos locais”, denuncia. Na prática, a capacidade de actuação da ASAE é “muito reduzida”. O PÚBLICO pediu um comentário e mais dados ao Ministério da Economia, que tutela a ASAE, mas não obteve resposta.

Em Fevereiro de 2018, o sindicalista foi a uma comissão parlamentar na Assembleia da República e fez um retrato do sufoco em que vive a ASAE – não apenas no que à fiscalização dos AL diz respeito. No total, havia (e estes números não se alteraram) 240 inspectores e à ASAE chegavam anualmente “cerca de 175 mil reclamações e eram feitas 30 mil denúncias directamente nos serviços”. Quantas deles correspondem a AL, Bruno Figueiredo não sabe. E duvida que alguém possa dizê-lo com segurança: “Não há sequer gente para fazer essa triagem…”

Em Agosto de 2018, o PÚBLICO noticiava o número de alojamentos encerrados pela ASAE desde 2016 e até essa altura, no seguimento de 1948 fiscalizações: apenas uma dezena havia fechado as portas em dois anos e meio. Bruno Figueiredo não tem números actuais, mas garante que nos últimos meses a mudança não foi significativa. Os problemas essenciais continuam a estar relacionados com a segurança, ainda que “os critérios impostos [a quem quer abrir um AL] sejam muito pouco exigentes” e salubridade. Este último, sublinha, tem sido uma dor de cabeça com diagnóstico a piorar. Se até há relativamente pouco tempo um apartamento que saía do arrendamento de longa duração era renovado para entrar no mercado turístico, agora identifica-se cada vez mais casos em que tal não acontece. “Vemos apartamentos em condições absolutamente deploráveis”, lamenta.

A alteração da lei em 2018, que deu poderes de fiscalização às autarquias, não se fez sentir na ASAE. Em relação aos municípios, Bruno Figueiredo duvida da capacidade destes para fazer essa inspecção. “Já seria bom se conseguissem cumprir as exigências que tinham antes, a de fazer a vistoria depois dos registos”, aponta.

A partir do momento em que um proprietário regista o seu imóvel no RNAL, as autarquias têm “uma moratória de 20 dias para aceitar ou não” a inscrição. Mas a capacidade de examinar no terreno, acredita, é quase nula: “Muitas vezes, a análise é meramente documental: [os proprietários] apresentam uma declaração em como cumprem e eles não verificam. A experiência diz-nos que grande parte das vezes não cumprem.”

O dirigente sindical está convencido de que aumentar as coimas para os incumpridores ou conseguir um quadro legislativo muito avançado não valerá de muito enquanto a fiscalização não for efectiva. E, problema acrescido, “os próprios operadores começam a ter consciência de que podem fazer tudo”. Porque dificilmente serão multados.

Adversidade acrescida vem ainda das “costas voltadas” entre entidades públicas como a ASAE e a Autoridade Tributária e Aduaneira. Essa entidade, lamenta o sindicalista, recusa fornecer à ASAE dados como o número de contribuinte do operador, evocando o sigilo fiscal: “É completamente absurdo quando a lei atribui competências aos dois.” Ideal, diz, seria haver “equipas permanentes e multidisciplinares”. Só elas poderiam fazer parar o “muito dinheiro a correr paralelamente à economia”. O problema? “Não existe muito essa vontade.”  

Regulamentos em construção

Em Lisboa e no Porto - onde existem, respectivamente, 17.984 e 7431 alojamentos inscritos no RNAL – estão a ser preparados regulamentos para o AL. Em Lisboa, enquanto esse plano final, previsto para Maio, não está traçado, Fernando Medina suspendeu, em Novembro do ano passado, novos registos no Bairro Alto, Alfama, Mouraria, Castelo e Madragoa. No Porto, Rui Moreira admite a existência de uma “crise na habitação”, mas não acredita na suspensão como uma solução eficaz. O estudo está nas mãos da Universidade Católica e o executivo liderado pelo autarca independente diz estar para breve a sua divulgação.

Na capital, a fiscalização já está a ser assumida pela equipa do socialista. Ao Jornal de Negócios, fonte da autarquia dizia em Dezembro estar a fazer esse trabalho por georreferenciação. No Porto, o vereador da Economia, Ricardo Valente, disse numa reunião camarária de Fevereiro haver planos para assumir a fiscalização em breve, deixando críticas à actuação da ASAE: “Vamos ter de começar do zero, com regras muito mais apertadas. Aquilo que a ASAE fez até hoje é zero.” O PÚBLICO questionou ambos os executivos sobre o actual momento e medidas futuras mas nenhum esteve disponível para prestar esclarecimentos.

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