Grada Kilomba na FLIP com os seus episódios de racismo: “Deixei Lisboa, a cidade onde eu nasci e cresci, com um imenso alívio”

A escritora e artista portuguesa que reflecte sobre a herança colonial regressa ao Brasil com a tradução do seu livro em português e uma primeira individual na Pinacoteca de São Paulo.

Fotogaleria
Grada Kilomba,Grada Kilomba cortesia da artista,cortesia da artista
Grada Kilomba
Fotogaleria
Grada Kilomba Cortesia da artista- Moses Leo
Fotogaleria
Grada Kilomba :Table of Goods, 2017 Cortesia da artista
Fotogaleria
Grada Kilomba :Table of Goods, 2017 Cortesia da artista
Fotogaleria
Grada Kilomba :Table of Goods, 2017 Cortesia da artista
Fotogaleria
The making of the Installation at The Power Plant, Toronto, 2018 Cortesia da artista

A artista portuguesa Grada Kilomba vai participar em Julho na edição deste ano da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), onde lançará o livro Memórias da Plantação: Episódios do Racismo Quotidiano, publicado no Brasil pela editora Cobogó, confirmou ao PÚBLICO o gabinete de comunicação do festival brasileiro. Em Portugal, o mesmo livro, originalmente publicado em inglês em 2008, será editado pela Orfeu Negro e deverá ser lançado um mês antes.

Grada Kilomba, que vive a trabalha em Berlim, nasceu em Lisboa em 1968 e tem raízes em Angola e São Tomé e Príncipe. Escritora, teórica e artista plástica, Kilomba tem uma obra interdisciplinar que transita entre a academia e a prática artística, em que reflecte sobre memória, raça, género e pós-colonialismo.

Memórias da Plantação: Episódios de Racismo Quotidiano, que é o resultado do seu doutoramento em Filosofia na Universidade Livre de Berlim, é como o nome indica uma compilação de episódios diários de discriminação escritos sob a forma de pequenas histórias psicanalíticas, explica a artista, que fez a sua licenciatura em Psicologia Clínica e Psicanálise no Instituto Superior de Psicologia Aplicada, em Lisboa, onde era a única estudante negra do departamento. Das políticas do corpo e do cabelo aos insultos raciais, o livro “desmonta a normalidade do racismo e expõe a violência e o trauma de se ser colocada como outra/o”.

Sobre o que significa mais de uma década depois ver o seu livro traduzido em português Grada Kilomba sublinhou ao PÚBLICO que o passado colonial é memorizado de uma forma que não consegue ser esquecido: “Deixei Lisboa, a cidade onde eu nasci e cresci, com um imenso alívio. Não havia nada mais urgente para mim do que sair, para poder aprender uma nova linguagem, um novo vocabulário, no qual eu pudesse finalmente me encontrar, no qual eu pudesse ser eu. Este livro foi onde eu me encontrei e onde encontrei a minha primeira e nova linguagem.” A artista acrescenta que, às vezes, preferia não se lembrar de certas coisas: “Mas, a teoria da memória é, na realidade, uma teoria do esquecimento. Não se pode simplesmente esquecer e não se consegue evitar lembrar.”

Esta é a quinta presença confirmada na 17.ª FLIP, o mais conhecido festival literário brasileiro, que este ano é dedicado ao escritor e jornalista brasileiro Euclides da Cunha (1866-1909), autor de Os Sertões, considerado como o primeiro livro-reportagem brasileiro, mostrando a aposta na não-ficção de Fernanda Diamant, a nova curadora do programa principal.

“A obra de Grada Kilomba é tão combativa quanto criativa. Se, por um lado, questiona rigorosamente nossos pressupostos e modos de estar no mundo, por outro, cria aberturas para vislumbrarmos, pela arte, novos horizontes possíveis”, diz o arquitecto Mauro Munhoz, director artístico da FLIP, no comunicado de imprensa em que é confirmada a presença de Grada Kilomba, avançada este fim-de-semana pelo jornal brasileiro O Estado de São Paulo. “O trabalho de Grada Kilomba transita por muitos meios diferentes: está na academia e nos palcos de teatro, em bienais de artes plásticas e nos livros. De modo análogo, suas criações ocupam lugares dinâmicos, elas não se deixam fixar: passam por questionamentos sociais amplos bem como pela atenção às memórias, aos afectos e à intimidade. Além disso, sendo ao mesmo tempo europeia e filha de africanos, tem uma posição singular a partir de onde observar o mundo”, afirma Fernanda Diamant no mesmo comunicado.

Antes da FLIP, que decorre de 10 a 14 de Julho na cidade brasileira de Paraty, Grada Kilomba vai inaugurar na Pinacoteca de São Paulo a sua primeira exposição individual no Brasil, com abertura prevista para 6 de Julho. A artista, que está muito satisfeita com este duplo “momentum” no Brasil, disse ao PÚBLICO que a exposição Desobediências Poéticas é comissariada por Jochen Volz, actual director do museu e curador da Bienal de São Paulo, que em 2016 revelou a artista em Portugal e no continente americano.

No segundo andar da pinacoteca paulistana, a exposição vai ocupar quatro salas ao lado do acervo histórico, apresentando quatro obras: Illusions 1, comissionada pela bienal brasileira, Table of Goods, apresentada pela primeira vez em 2017 no MAAT, em Lisboa, Illusion 2 (2018), e uma obra nova concebida para a exposição de São Paulo. “De forte tom político e comprometimento com as perspectivas pós-coloniais da representação da história, o conjunto apresenta-se como um importante contraponto à produção artística brasileira do século XIX apresentada neste espaço do museu, onde a herança africana e indígena da cultura brasileira é praticamente invisível”, diz a informação fornecida pela pinacoteca paulistana.

O músico e escritor angolano Kalaf Epalanga, que faz parte da banda Buraka Som Sistema e foi cronista do PÚBLICO, é um dos nomes que já foram anunciados para Paraty. Kalaf, que vive entre Lisboa e Berlim, irá apresentar o seu terceiro livro, Também os Brancos Sabem Dançar, editado em Portugal pela Caminho e no Brasil pela Todavia, que aborda a imigração africana na Europa. Anteriormente, já tinham sido anunciados os nomes da ensaísta brasileira Walnice Nogueira Galvão e das escritoras Kristen Roupenian (EUA) e Sheila Heti (Canadá).

A 27 de Abril, a artista portuguesa participa numa exposição colectiva no Guggenheim de Nova Iorque. Intitulada Loophole of Retreat, parte de uma exposição individual de Simone Leigh, vencedora do Prémio Hugo Boss de 2018, dedicado às práticas significativas na arte contemporânea, para a qual foram convidadas 15 artistas internacionais para mostrarem o seu trabalho em diálogo e dedicado à vida intelectual das mulheres negras. Grada Kilomba irá apresentar as suas obras visuais Illusions Vol. I  e Illusions Vol. II, respectivamente dedicada às políticas de invisibilidade e às políticas da violência.

Sugerir correcção
Ler 34 comentários