Servir cães e gatos

Um gato parte sempre do princípio que estão a tentar envenená-lo; um cão pensa que se não abocanhar imediatamente esta côdea, o benemérito irá dá-lo a outra criatura.

“Isto se calhar vai-me cair mal” nunca nenhum cão pensou antes de morfar um petisco, seja ele qual for.

Este fim-de-semana tive o ensejo de comparar a receptividade gastronómica de uma cadela e duma gata.

A atitude da cadela era comer primeiro e pensar depois ou, mais prosaicamente, o que não mata engorda. Houve dois filetes de espada preto, vorazmente devorados mal se vislumbraram, que estiveram quase a ser vomitados. Ou será que os cães também acham graça a fingir que vão vomitar?

Esta filosofia simplista de “primeiro come-se e depois vomita-se ou não” não podia ser mais diferente da desconfiança profunda de um gato.

Um gato parte sempre do princípio que estão a tentar envenená-lo – mais ainda se o oferecedor de alimentos for o dono. Um gato a cheirar um tártaro de espadarte pensa no que o mercúrio lhe vai fazer ao fígado, pensa que é melhor cear mais tarde, pensa que é estranho um ser humano estar a prescindir dum peixe tão nobre – se é assim tão bom...

O cão pensa que se não abocanhar imediatamente esta côdea de pão de espelta o generoso benemérito irá dá-lo a outra criatura que merece aquela côdea deliciosa muito mais do que ele.

O cão, depois de comer muito, ainda tem esperança de comer mais um bocadinho. Faz olhos de triste e faminto – é o único truque que desenvolve sem ajuda externa – mas secretamente está a jubilar, achando-se numa imensa maré de sorte.

O gato, depois de comer um bocadinho, concede vitória: “pronto, enganaste-me, estás contente? Qual foi o veneno que usaste, meu cabrão?”

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