Éramos mais felizes? Não consigo dizer que sim

O que podemos fazer? Embora eles estejam a sair sozinhos da modorra em que se encontram, porque estão a largar o ecrã para olhar à volta, nós podemos dar-lhes um empurrão.

Foto
Emma Simpson/Unsplash

Escolho o cenário — o mar, o pôr do Sol, a mesa da esplanada, a saia nova, o biquíni colorido —, faço a cabeça descair até um ângulo em que não se vejam as minhas imperfeições, armo um sorriso, capto o momento e partilho-o nas redes sociais com uma frase inspiradora ou, então, uma divertida. Não é fácil gerir a felicidade.

Depois disso, sobra a ansiedade. Fico inquieta, à espera das reacções — quem gostou? Quem se riu? Quem comentou? Em poucos minutos, a última fotografia tinha sido mais vista do que esta, o que se passa para não receber tantos “gostos”? A inquietação toma conta de mim.

Percorro os murais dos outros, na ânsia de perceber se são tão ou mais felizes do que eu. A Maria está outra vez em Miami? O Pedro foi à neve? O que fazem a Inês e a Joana, por que não me convidaram para experimentar o novo brunch? E volto à minha fotografia: se calhar devia ter partilhado uma das férias, sim, porque a Maria não está outra vez em Miami, nem o Pedro na neve, estamos em tempo de aulas e podia ter posto uma nas ilhas gregas com aquele mar azul-forte, das férias passadas. A ânsia dá lugar à dúvida e à angústia. Por que não sou tão feliz como os outros? E volto a refrescar a página, impaciente. Os mesmos gostos…

Horas, passo horas à frente do ecrã, a espreitar as redes sociais a tentar interagir com este e com aquele, a ser voyeur das suas vidas. Porque são tão felizes? Vidas que serão tão semelhantes à minha, mas recuso-me a ver essa evidência. Provavelmente, a Inês e a Joana nem se divertiram no brunch e estiveram agarradas aos telemóveis. Deixa ver, sim, puseram “gosto” na minha fotografia.

Já sei, vou preparar uma story no Instagram, já escolhi a música da Rosalia, os primeiros acordes, vou abrir os livros e os cadernos, espalhar as canetas na secretária. Malamente (eso es), Malamente (tra, tra). Quem não se identifica com esta falta de vontade de estudar? De certeza que vou ter muitas interacções! Ou não. Ninguém responde...

Em cinco parágrafos, tentei pôr-me no lugar de uma adolescente e imagino que seja mais ou menos assim. Quando tinha essa idade, a angústia também vinha. A Inês e a Joana também iam lanchar — não havia brunchs, mas croissants com chocolate quente — e não me convidavam. Sim, também ficava aborrecida, mas saberia da traição no dia seguinte, no recreio ou à entrada da escola. Saberia geri-la de outra maneira. Afinal, estaríamos em grupo e eu não teria sido a única a não ser convidada, atiraríamos farpas umas às outras como quem brinca, algo diferente do estar sozinha em casa, a moer na felicidade delas. Sim, a Maria e o Pedro viajavam e eu também. As fotografias não apareciam instantaneamente no telefone, mas no fim do Verão trocávamo-las quase como quem partilha os cromos e ríamos das supostas aventuras. Algumas inventávamos, tenho a certeza, um pouco como a encenação que hoje eles fazem para captar as suas imagens, para chamar a atenção.

Éramos mais felizes? Não consigo dizer que sim. Raramente a adolescência é um lugar feliz. Mas sei que hoje eles se sentem mais sós, dizem as estatísticas — no Reino Unido, há um Ministério da Solidão criado por causa dos velhos, mas são os jovens que o preocupam, eles sentem-se sós e infelizes porque não foram convidados para aquela festa, porque não têm aquelas férias, porque não têm aquele namorado que viram nas redes sociais. No mundo em que todos parecem felizes, há taxas de suicídio que tendem a subir entre os mais jovens.

O que podemos fazer? Embora eles estejam a sair sozinhos da modorra em que se encontram, porque estão a largar o ecrã para olhar à volta, nós podemos dar-lhes um empurrão. Vá, vão para a rua, apanhem o lixo enquanto correm, façam trabalho voluntário, recusem a água engarrafada em plástico, usem sacos de pano, comprem a granel, andem de bicicleta, não comam carne, façam greve à sexta-feira, apaixonem-se, sonhem com um mundo melhor e partilhem!

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