Yoshi’s Crafted World, um jogo de charme

Desenvolvido em exclusivo pela Good-Feel para a Nintendo Switch, estamos perante uma obra com um grafismo apaixonante e uma criatividade efervescente. Mas quem quer um desafio não a deve comprar.

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Yoshi's Crafted World é uma obra para ser apreciada de forma despreocupada. Videojogo de plataformas e exploração, a nova aventura da mascote verde chega à Nintendo Switch como uma operação de charme. Perde-se o desafio tenebroso que elege os melhores jogadores do género, mas ganha-se algo com uma aura própria, capaz de fazer sorrir os fãs e passível de ser desfrutado em família.

Começando pelo menos acutilante, o arco narrativo de Crafted World é uma mera desculpa para que a aventura decorra. Na ilha onde os Yoshi habitam há uma pedra poderosa, a Sundream Stone, que continha gemas preciosas, as Dream Gems. Kamek e Baby Bowser espalharam essa gemas coloridas pelo cenário, sendo a tarefa do jogador recuperá-las e devolvê-las à pedra. O pulmão do jogo é o caminho até esses objectos, que estão geralmente guardados por um boss.

É um argumento que apenas é relembrado nas breves interjeições que a dupla vai fazendo enquanto vamos progredindo pela aventura, normalmente para nos fazer uma pergunta antes dos confrontos contra os bosses. O que não se esquece é o tal caminho feito: há inúmeras áreas para serem descobertas, cada uma com vários níveis onde a jogabilidade propriamente dita decorre. Não só os níveis estão pejados de pormenores que enaltecem o tal charme, como as áreas têm temáticas díspares entre si, o que ajuda a mitigar a eventual sensação de fadiga.

Para evitar que os jogadores abram caminho pelas áreas sem o mínimo esforço, a produtora Good-Feel coloca a obrigação de coleccionar um determinado número de flores para que a secção seguinte seja desbloqueada. Esta condicionante não é nada de novo e, sinceramente, nunca foi um grande impedimento desde que dediquem algum do vosso tempo a explorar os cantos e recantos dos cenários horizontais - o que, verdade seja dita, é por mérito próprio uma das grandes atracções da obra.

O cerne da jogabilidade, contudo, alcança um equilíbrio saudável entre o recompensador e a indução da nossa persistência. O Yoshi consegue esticar a sua língua e engolir inimigos, que passam a ser ovos que arrasta consigo. Esses mesmos ovos podem ser atirados a objectos e inimigos que vão desfilando pelos cenários. Combinar este processo com as plataformas propriamente ditas é um exercício que ajuda a manter a jogabilidade viva. Ainda que os inimigos possam atacar o pequeno Yoshi, nada é propriamente penalizador: não há a pressão de lidar com contadores de vidas ou de limites de tempo.

Com a ausência deste peso, o jogador é livre para ir à procura de recolher o maior número de moedas possível, algumas das quais encarnadas, e também das já mencionadas flores, entre outros coleccionáveis – alguns dos quais estão colocados atrás de pequenos puzzles, que obrigam a parar para analisar as redondezas. Yoshi's Crafted World apresenta-se em duas dimensões falsas, ou seja, há quase sempre planos de visão sobrepostos, o que testa a análise dedutiva de quem segura o comando.

A obra faz tudo o que pode para que o jogador prolongue a estadia, aliciando quem gosta de desbloquear tudo aquilo que cada nível tem para oferecer. Na prática, recolher todos os coleccionáveis eleva consideravelmente a longevidade. E mesmo depois de os níveis serem concluídos, há pedidos para encontrarem objectos específicos e, ainda mais importante, um trio de cães – Poochy Pups – que terão que ser apanhados em determinados níveis para mais desbloqueáveis: a grande reviravolta é que, neste modo, temos acesso ao avesso dos cenários, ou seja, jogámos o percurso do fim para o início nos bastidores do que vimos aquando da primeira travessia.

Há alguns níveis que quebram este molde, como por um exemplo uma viagem de comboio em que temos que prestar contas com a nossa pontaria, ou Ninjorama, nome da área em que temos que pensar constantemente nos segredos atrás de portas (e chegamos mesmo a jogar orientados pela silhueta do protagonista) ou ainda nas Chilly-Hot Isles, onde há partes do percurso em que o gelo obriga a ter em consideração o deslizar do Yoshi. E mais perto do final há uma área chamada Outer Orbit, onde o peso de cada salto tem de ser reavaliado pelo jogador.

Enquanto se joga Yoshi's Crafted World “está-se bem” – e há duas funcionalidades que corroboram esta sensação de tarde primaveril na Switch. Primeiro, se o modo clássico for muito exigente, podem trocar para o Mellow Mode, o que garante a Yoshi um par de asas para que se aguente mais tempo no ar e ainda mais resistência ao dano. Segundo, o modo cooperativo está disponível para todos os jogadores que comprarem a obra.

Graças à natureza do hardware da Switch, cada jogador fica com um dos joy-con e estão assim prontos para partilharem a diversão localmente. É um formato em que o sorriso passa a gargalhada. O intuito é trabalhar em conjunto com o segundo jogador, porém, o caos temporário é praticamente inevitável. Os dois Yoshi podem interagir, sendo até possível um levar o outro às cavalitas. Quando há cooperação, até a troca de impressões sobre como recolher todos os coleccionáveis valida este modo; quando há choques entre as personagens, especialmente em zonas mais delicadas do percurso, está assegurado o misto entre a boa disposição e o esgar.

A plasticidade da obra não é uma resposta a nada, o que na prática faz com que se afirme pelo charme, sim, mas também por ser única. Desde o deserto à selva, passando por uma feira de diversões e por florestas, entre outros locais memoráveis, são áreas definidas pelo seu próprio tema e incontáveis detalhes. Yoshi's Crafted World parece o labor de um curso de artesanato: folhas de materiais que transpiram o encanto de que alguém as recortou e colou para que a nossa marcha pudesse prosseguir.

Até os inimigos parecem ter sido recortados e cuidadosamente animados, como se tudo fosse apenas e só um longo e metódico trabalho de amor. Um exemplo: num determinado nível, as plataformas são sapos de patas que são papel dobrado e animado. Outro exemplo: mais à frente na progressão, são usados bidões e garrafas de água, pratos e copos que podiam ter sido numa festa de aniversário, mas que estão aqui como adornos e plataformas. As estrelas são recortes de papel amarelo e para trás já deixamos uma montanha de cartão. É muito, mas mesmo muito, fácil apaixonarmo-nos por este departamento técnico.

Mas difícil é morrermos de amor pela sonoplastia. Não é que seja terrível, mas podia e devia ser mais variada e alguns dos efeitos que querem acompanhar o “amoroso” do grafismo têm o efeito oposto com o passar das horas.

Yoshi's Crafted World não é indicado para os fãs que gostam da vertente mais exigente do género, como Super Meat Boy, por exemplo. É muito provável que esse leque de jogadores se sinta frustrado depois dos primeiros níveis. O jogo da Good-Feel podia ter mecânicas mais profundas sem alienar quem gostará do jogo no seu estado final e podia certamente ter uma sonoplastia mais condizente com o excelente departamento gráfico. Podia, mas por tudo o que faz e pela sensação “brisa morna no pescoço” que não se cansa de transmitir, é uma adição sólida ao catálogo da consola híbrida.

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