Palmas para António Costa, que falou muito bem

É um escândalo as portas giratórias entre sector público e privado. E é um escândalo a endogamia deste governo. Os dois desgraçam Portugal. Escolher entre eles? Não, obrigado.

Podem pôr as pipocas no micro-ondas, que o espectáculo está a ficar giro. Não sei se têm conseguido acompanhar todos os desenvolvimentos do Familygate nos últimos dias, mas é para isso que eu cá estou. Então é assim: 1) Marcelo deu uma canelada em Cavaco, dizendo que os familiares socialistas que hoje estão em Conselho de Ministros foram nomeados por ele. 2) Cavaco deu uma canelada em Marcelo, dizendo que no tempo em que ele foi primeiro-ministro não detectou – “espero não me ter enganado” – nenhuma ligação familiar. 3) Infelizmente, enganou-se um bocadinho. Por isso, 4) António Costa deu uma canelada em Cavaco, dizendo – e cito – que “o professor Cavaco Silva tem muitas qualidades e seguramente a melhor não é a memória”. 5) A canelada de Cavaco virou-se contra a sua própria canela, porque houve mesmo familiares em governos seus (exemplo: os irmãos Leonor e Miguel Beleza; ou o sobrinho Durão Barroso e o tio Diamantino Durão). Ainda assim, 6) Cavaco não se enganou muito, porque o regabofe do presente é mesmo inédito na História de Portugal. 7) As caneladas também se viraram contra Marcelo, que no meio de tanta notícia e confusão sentiu-se obrigado a apresentar a lista de todas as ligações dos seus familiares à política, desde 1955 até aos dias hoje (e são muitas).

O que é que ganhamos com tanta canelada entre altos quadros da nação, para além das inevitáveis nódoas negras? Ganhamos algo que me parece até bastante estimável: mais transparência pública e mais exigência quanto aos padrões éticos de quem nos governa. Aliás, como a mostarda finalmente chegou ao nariz de António Costa, que percebeu que estava a ser queimado em lume brando, ele decidiu habilmente dar um passo em frente e entrar a pés juntos sobre Cavaco Silva e sobre Passos Coelho, com esta declaração sibilina: “Uma coisa posso garantir: nenhum dos membros do meu Governo sairá do Governo para ir formar um banco que depois vá à falência e fique a viver à custa dos contribuintes [referência a Oliveira e Costa e ao BPN]. Nenhum membro do meu Governo sairá do Governo para ir gerir uma infra-estrutura cuja construção ordenou [referência a Ferreira do Amaral e à Lusoponte]. Nem nenhum membro do meu Governo irá adquirir activos a empresas que privatizou [referência a Maria Luís Albuquerque e à Arrow Global].” E acrescentou: “Essas é que são as relações com que se deviam efectivamente preocupar.”

Bravo, senhor primeiro-ministro, bravo. Vamos por um momento esquecer que o ministro Joaquim Pina Moura, depois ter tido nas suas mãos a reestruturação do sistema energético no governo de António Guterres, acabou presidente da Iberdrola. Vamos também esquecer que o ministro do Equipamento Social Jorge Coelho acabou CEO da Mota/Engil. Ou que o ministro Fernando Gomes acabou administrador executivo da Galp. Aliás, o melhor é mesmo esquecermos, porque cada vez me lembro de mais nomes. Aqui o que importa são duas coisas. Em primeiro lugar, que o senhor primeiro-ministro não pode “garantir” coisa alguma, porque não manda no futuro dos seus ministros, e ainda bem. Em segundo lugar, importa sublinhar que António Costa está cheiinho de razão. Aquilo que ele referiu é um autêntico escândalo. Só que estes escândalos não são disjuntivos – são copulativos; e eu quero preocupar-me com ambos. É um escândalo as portas giratórias entre sector público e privado. E é um escândalo a endogamia deste governo. Os dois desgraçam Portugal. Escolher entre eles? Não, obrigado.

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