“Preparamo-nos sempre para a última crise, nunca para a próxima”

Giorgios Papaconstantinou, o ministro das Finanças grego que há nove anos teve de pedir o resgate à troika, diz que agora, na zona euro, “o risco económico é menor do que em 2010, mas o político é maior”.

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NUNO FERREIRA SANTOS

Foi em 2010 que o mundo descobriu que estar dentro da zona euro não salvava um país de entrar numa crise de pagamentos. A Grécia teve de pedir ajuda financeira, passando a seguir por anos de recessão profunda e desemprego recorde. Giorgios Papaconstantinou, o ministro das Finanças grego quando a troika chegou ao país, assistiu de perto ao início da crise do euro. Agora, de visita a Lisboa para participar na conferência “Para Onde Vai a Europa”, organizada pela Fundação Calouste Gulbenkian, compara o actual cenário com aquele que se vivia em 2010 e avisa que uma nova crise pode acontecer, dizendo que sem uma agenda mínima de reforma da união monetária, a zona euro não estará segura.

Vê no presente algum país da zona euro, incluindo a Grécia outra vez, a ter de passar por aquilo que aconteceu em 2010, dando início a uma nova crise na região?
Em 2009, não pensávamos que fosse possível que um país da zona euro tivesse uma situação daquelas e iniciasse uma crise e a verdade é que isso aconteceu. Portanto, o facto de agora estarmos mais bem preparados para uma crise não significa necessariamente que ela não possa acontecer. 

Em algum país em particular?
Há alguns potenciais candidatos por aí. Em comparação com aquilo que acontecia há dez anos, o risco financeiro é mais pequeno, mas vimos com o episódio em Itália a seguir às eleições, quando as taxas de juro subiram, que os mercados podem conseguir parar a Itália, o que colocaria a zona euro outra vez em crise. O perigo económico é de menor dimensão, mas o risco político é maior do que era antes. Apesar de se ter feito muito para que passássemos a ter um maior arsenal institucional e instrumentos de política capazes de lidar com uma crise, não se pode dizer que não possa haver uma nova crise. Pode haver, e pode vir de diferentes lugares.

As crises geralmente nunca são iguais umas às outras...
É verdade. Preparamo-nos sempre para a última crise, nunca para a próxima. Em 2007, quando a crise financeira mundial começou nos EUA, havia o problema de uma supervisão demasiado branda do sector bancário. Mas agora pode-se ter um problema completamente diferente por causa do sector tecnológico, o que há dez anos não era sequer uma questão. Estamos sempre a ter a última batalha, o que é um problema quando se olha para o futuro.

Quando houve a ameaça de crise nos mercados a seguir às eleições em Itália, os outros países periféricos pareceram não ser muito afectados. Isto significa que os mercados já não pensam que os países periféricos são todos iguais?
Penso que isso reflecte o facto de terem sido criados os instrumentos que os mercados acreditam que podem ser mais eficazes a travar o contágio. Isso é mais verdade agora do que há dez anos. Dito isto, será que acabámos com a ligação entre bancos e Estados por via da dívida soberana? Não, não acabámos. Não penso que seja claro que o contágio não possa acontecer, mesmo agora. Se tivermos uma falência de um grande banco, sabemos como lidar com isso? Temos um regime de resolução que consiga lidar com o problema se for um banco grande e sistémico? Não temos. Portanto, embora a não existência de efeitos nos spreads dos outros países mostre que existe uma sensação geral de que há mais barreiras criadas do que antes, isso não significa que se esteja a salvo de uma crise. Para mim, aquilo que aconteceu no caso italiano é que os mercados sentiram que o Governo italiano não iria levar o confronto até ao fim. Se eles tivessem sentido que o Governo italiano iria fazer exactamente aquilo que tinha dito durante a campanha eleitoral, penso que tínhamos tido um resultado diferente e, provavelmente, mais contágio aos outros países.

Nas suas propostas para a reforma do euro, distingue um cenário ideal de outro que é aquele que é mais realista acontecer, com a agenda que considera prioritária. E aqui coloca a conclusão da união bancária, incluindo um seguro de depósitos comum. Não lhe parece improvável que isso se possa concretizar nos próximos tempos?
A agenda prioritária de que falamos não é necessariamente a que seja mais fácil de acontecer. É aquela que é indispensável se queremos dizer que temos uma arquitectura verdadeiramente robusta. Sem um seguro de depósitos comum, não se pode considerar que se tem uma verdadeira união bancária. É a peça sem a qual a união bancária não funciona. É indispensável. Agora, será provável? Não acho que seja, mas também não me parece tão difícil como, por exemplo, a criação de um activo seguro. E podemos ainda ficar mais próximos de o conseguir, se, numa negociação, se der aos países que se opõem ao seguro de depósitos comum determinadas garantias noutras áreas.

Como por exemplo?
Aceitar uma mudança ao nível das reestruturações da dívida. De uma forma que, no caso de se estar perante uma dívida insustentável, os credores também assumirem perdas. Isso retiraria pressão dos bancos nacionais e ajudaria os países mais críticos a aceitar mais facilmente a partilha de risco que está implícita num seguro de depósitos comum. 

Começar a falar de credores particulares a assumir perdas não pode ser perigoso?
Não é algo que se possa fazer de forma ligeira. Mas podem definir-se regras para a possibilidade de reestruturações. Eu percebo quem faz o alerta de que se formos demasiado explícitos em relação à possibilidade de reestruturação possamos encaminhar as pessoas nessa direcção. Mas a verdade é que já foi feita uma reestruturação, no caso da Grécia, e não produziu o Armagedão que as pessoas pensavam, e não criou o contágio que se temia. Eu acho que se as regras forem claras, o efeito pode ser mais estabilizador do que desestabilizador.

Perdemos a oportunidade de fazer esta reforma durante o período mais positivo da economia?
Sim, atrasámo-nos. Estamos no fim da fase mais forte da economia, temos um abrandamento, os riscos são muitos. Portanto não aproveitámos os dois ou três últimos anos para fazermos coisas mais radicais. E a consequência é que podemos vir a ser forçados a fazer mais coisas em tempos de dificuldades, que foi o que aconteceu na última crise. Aí, só nos começámos a movimentar, quando já não havia outra solução.

Os países do Norte querem mais redução de riscos e os países do sul mais partilha de riscos. O que é que os últimos podem oferecer mais aos primeiros para que estes aceitem mais partilha de riscos?
Eu sou bastante mais favorável a avanços ao nível da partilha de riscos, mas compreendo a realidade política em que estamos inseridos. E isso significa que se tem de aceitar um compromisso e dar passos em direcção ao outro lado. Isso implica continuar a fazer reformas estruturais nos países do Sul, aceitar regras que limitem o peso que a dívida dos próprios países tem nos bancos nacionais. Se se fizer este tipo de coisa, estar-se-á a colocar cartas suficientes na mesa para depois poder pedir ao outro lado para avançar, por exemplo, num seguro de depósitos comum.

Se não houver uma conclusão da união bancária, que riscos corremos?
Ficamos com um sistema em que a supervisão é comum, mas em que no fim de contas são as autoridades nacionais que acabam por ficar com muito dos riscos. E assim não se dá confiança ao sistema de que, se alguma coisa correr mal, o risco será repartido. Assim, a probabilidade de ocorrerem acidentes é mais alta.

O que é que o resultado das eleições para o parlamento europeu pode trazer para este debate?
O maior perigo que se corre é que os grandes partidos europeus, com medo de um mau resultado, adoptem uma grande parte das atitudes eurocépticas dos populistas. Há também o perigo de ficar  um Parlamento Europeu muito fragmentado que também não seria capaz de incentivar uma agenda de reforma europeia. Claro que, num cenário mais positivo, pode acontecer que o “Brexit” e a concorrência da China e EUA sirvam para estimular a maior parte das pessoas a acabar um trabalho que sabemos que é preciso acabar.

E o que acontece na Alemanha é decisivo...
No tempo em que fui ministro e durante toda a crise, foi muito evidente que nada era decidido até que Berlim tomasse uma posição. E depois convencesse a França a acompanhá-la.

E continua a ser assim?
Penso que agora é um pouco mais equilibrado. Primeiro porque a economia francesa não é vista como sendo tão fraca como era antes e depois porque há um líder francês com uma agenda europeia. Para além disso, do lado alemão, está-se num período de transição. O que é certo é que não é possível chegar-se a uma decisão, sem que a Alemanha e a França concordem com o essencial.

No domingo, Wolfgang Schäuble dizia no Financial Times que lhe tinha feito a proposta, logo no início da crise, de saída temporária da Grécia do euro. O que acha agora desse tipo de solução?
Na verdade, o Sr. Schäuble fez essa proposta ao meu sucessor no cargo, Evangelos Venizelos, em Setembro de 2011, não a mim. E foi rejeitada, é claro. Nenhum governo grego durante a crise (pelo menos até aos primeiros seis meses de 2015) alguma vez pôs em questão a participação da Grécia na zona euro. Uma suspensão do euro ou uma saída ordenada, isso são coisas que não existem. Uma saída teria sido permanente, desordenada e extremamente penalizadora para o país. Mais penalizadora e mais longa do que a recessão pela qual passámos.

Agora temos a liga hanseática, que parece ter como objectivo não deixar a Alemanha ceder…
Interpreto a liga hanseática mais como uma posição política – por exemplo, está lá a Irlanda, e a Irlanda tem todo o interesse numa capacidade orçamental. É mais um bloco a dizer: “Nós também estamos aqui.” Mas, se houver um acordo entre a Alemanha e França em determinada medida, não acredito que a liga hanseática bloqueie.

Uma liga dos países do Sul seria útil?
No meio da crise, muitas vezes pensámos que poderia haver uma coligação dos países do Sul para enfrentar a Alemanha. Mas essa coligação nunca surgiu, porque estávamos todos muito fracos. Agora as coisas são diferentes. É verdade que continua a haver um debate entre credores e devedores e isso, em parte, é uma divisão norte/sul. Agora, a ideia de todos os devedores se unirem em confronto com os credores não me parece que seja útil. Seria útil tentar construir coligações que vão para além dessa divisão.

Mário Centeno como líder do Eurogrupo tinha metas muito ambiciosas para a reforma do euro, que se estão a revelar difíceis de cumprir. O que acha do seu desempenho?
Fico satisfeito por termos um português na liderança do Eurogrupo. Há sempre uma distância entre aquilo que se quer fazer quando se inicia um mandato, e a realidade que se encontra, especialmente quando é preciso procurar um equilíbrio entre países que têm posições muito diferentes. O presidente do Eurogrupo só consegue ir até onde os membros do Eurogrupo lhe permitem.

A Grécia está de volta aos mercados. Pode-se declarar o fim da crise?
Está realmente de volta aos mercados, mas o diferencial de taxas de juro que tem de suportar é o mesmo que tinha em 2010 quando eu, como ministro das Finanças, fiz a última emissão de dívida a dez anos antes da crise. Um spread de 350 pontos base não é bom. Isso deve ser um aviso para o governo de que há muito trabalho para fazer. Já não há risco de redenominação, é certo, mas estamos longe de termos uma situação normal.

O problema ainda é orçamental?
No lado orçamental, as pessoas até estão satisfeitas. Temos um excedente primário elevado, normalmente acima das metas. A questão que se coloca é se isso é sustentável, nomeadamente por causa do crescimento que é necessário. E aí, na capacidade de fazer crescer a economia, é que está a fragilidade da Grécia neste momento.

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