O que preferem, senhores deputados: transparência ou opacidade?

Os franceses, que criaram em 2014 uma Alta Autoridade para a Transparência da Vida Pública, encararam de frente a questão das relações familiares e não fugiram ao debate.

A Comissão Eventual para o Reforço da Transparência em cargos políticos e públicos começou a trabalhar no dia 20 de Abril de 2016. Mais de mil dias depois, como o PÚBLICO assinalou num extenso trabalho em Janeiro, nada tinha ainda aprovado. Esta semana, acelerou os trabalhos. E quais são as principais conclusões?

- PS e PSD mudaram de posição e acabaram por recuar na necessidade de um registo público na Internet das ofertas recebidas no desempenho das funções por políticos e altos dirigentes do Estado;

- “Não está sujeita a dever de registo” a aceitação de quaisquer convites compatíveis com a “relevância de representação própria do cargo” ou “cuja aceitação corresponde a acto de cortesia ou urbanidade institucional”;

- é criada a Entidade para a Transparência, que ficará encarregue da análise e fiscalização das declarações de rendimentos, património e interesses;

​ - será obrigatório a entrega de uma declaração três anos após a saída do cargo para controlar se houve um acréscimo desmesurado do património;

- haverá um registo de empresas de lobbying, que, contudo, não terão que declarar quem são os seus principais clientes;

Ao mesmo tempo que os deputados se debruçam sobre questões de transparência, o país debate o caso das nomeações de pessoas com ligações familiares para gabinetes do Governo. Mas, claro, tudo isto passa à margem da comissão da transparência do Parlamento. Não é assunto que lhes interesse. 

Os franceses, porém, que também decidiram há pouco tempo (mais concretamente em 2014) criar uma Alta Autoridade para a Transparência da Vida Pública, encararam de frente a questão das relações familiares e não fugiram ao debate.

Durante a campanha para as presidenciais, o então candidato Emmanuel Macron defendeu a necessidade de uma lei que regulasse e impedisse o emprego de familiares. "Não estou contra o emprego de familiares quando se utilizam fundos próprios. Mas não se pode fazer o mesmo quando se trata de dinheiros públicos”, explicou numa entrevista ao jornal Le Parisien. A ideia era que deputados, ministros e autarcas não poderiam empregar familiares como colaboradores, sujeitando-se a uma pena de três anos de prisão e 45 mil euros de multa se o fizerem.

O Parlamento francês viria a aprovar tal lei em Agosto de 2017 - a lei da moralização da vida política - com uma expressiva maioria absoluta de votos.  O articulado, porém, foi mais longe e incluiu regras claras sobre algo que agora Portugal debate por causa dos casos dos maridos, mulheres ou filhos de políticos (deputados, secretários de Estado, etc) que foram nomeados para vários gabinetes ministeriais.

O artigo 11.º da lei é muito claro: “Quando um membro do gabinete ministerial tem uma relação familiar com outro membro do Governo, ele ou ela deve informar, sem demora, o membro do Governo do qual é o colaborador e a Alta Autoridade para a Transparência da Vida Pública”. Ou seja, a essas pessoas não é vedado que trabalhem para o Governo, mas a opinião pública tem o direito de saber quem são os nomeados com ligações familiares. Chama-se a isso transparência.

Será que esta matéria não poderia também caber na nova Entidade para a Transparência que está a nascer, senhores deputados?

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